Castelinho dos Bracher ganha instituição e pode virar centro cultural

Projeto de transformação da emblemática residência na Rua Antônio Dias começa a dar os primeiros passos


Por Mauro Morais

15/11/2020 às 07h00

Projeto prevê construção de centro cultura em terreno anexo ao Castelinho (Foto: Reprodução)

Um novo centro cultural está sendo gestado em Juiz de Fora. E no alto da Rua Antônio Dias nascerá o Centro Cultural Castelinho dos Bracher. O projeto já possui um estatuto, registrado em cartório, uma presidência e um conselho. “A ideia é transferir isso para uma entidade institucional, com conselhos administrativo e fiscal e um conjunto de amigos da associação”, explica Carlos Bracher sobre uma proposta desenhada no passado pela irmã Nívea Bracher, cuja morte completa sete anos no próximo dia 9, e rascunhado pelo irmão, Décio Bracher, morto em janeiro de 2014, um ano, um mês e 12 dias após Nívea. Os dois viveram longas décadas na casa ocupada por arte em todos os cantos. Hoje o lugar é residência de uma filha de Paulo Bracher, outro dos cinco irmãos Bracher.
O futuro do imóvel projetado por Raphael Arcuri para lhe servir de lar não poderia ser outro que não um centro cultural, caráter assumido pela casa desde que a família Bracher passou a habitá-la, em 1952. “Aquela é uma casa de sonhos, onde se pode ser o que quer”, emociona-se Carlos, resgatando as lembranças libertárias do lar onde cresceu como gente e como artista. “Por isso resolvemos, oficialmente, como destino final, fazer um espaço de cultura ali, que vai se chamar Centro Cultural Castelinho dos Bracher, será o CCCB”, brinca ele sobre a sigla semelhante à do CCBB, Centro Cultural Banco do Brasil, que tem unidades espalhadas pelo país e por onde passou sua exposição mais recente, a retrospectiva “Bracher – Pintura & Permanência”.

Veja abaixo a comparação de como está hoje o Castelinho e como ficaria o projeto do centro cultural:

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Revitalização do Castelinho é prioridade

Nas memórias de Carlos, a última reforma vivida pelo Castelinho dos Bracher aconteceu quando o pai ainda era vivo, há pelo menos 35 anos. Após a morte de Décio e Nívea – “A figura mor daquela casa é a Nívea”, diz -, o lugar abriu suas portas para visitações, numa forma de sensibilizar a comunidade e o Poder Público para a importância de revitalização de um dos endereços fundamentais para a narrativa histórica e cultural de Juiz de Fora. Hoje o imóvel necessita de intervenções complexas, além de uma robusta restauração das obras de arte que Nívea fundiu à casa ao longo de sua vida.

“Essa instituição precisa passar por questões de ordem jurídica, como o registro do estatuto. A partir disso que está sendo feito agora, vai se começar a pensar no que será feito, embora já exista a projeção, tanto da família quanto da presidência, de que a prioridade é resgatar o Castelinho”, pontua o presidente da entidade, José Alberto Pinho Neves, cuja trajetória é marcada por importantes gestões, à frente da Funalfa e da Pró-Reitoria de Cultura da UFJF. “Vamos entrar em leis de incentivo. Nunca tivemos dinheiro. Uma norma daquela casa foi a falta de dinheiro. Foi meu pai quem bancou toda essa história, um professor universitário que bancou essa ode à arte”, recorda-se Carlos, já em diálogo com importantes instituições brasileiras para o financiamento do projeto.
“Demanda muito dinheiro, então, temos que trabalhar com prioridades, enquanto buscamos recursos com instituições financiadoras. Para tudo precisamos de projetos, que estão sendo elaborados. A ideia está na cabeça de todo mundo e, a partir de agora, vamos colocá-las na mesa”, acrescenta Pinho Neves, citando diálogo com a UFJF, para que a Fadepe assuma o setor contábil da área de captação da entidade. “Há uma intenção de trabalharmos juntos.”

Terreno ao lado terá prédio contemporâneo

Há algumas décadas, Décio e Nívea adquiriram o terreno ao lado do Castelinho dos Bracher. No local foram instaladas gigantescas antenas, cujo aluguel rende recursos que ajudam na manutenção do imóvel. Para a área, no entanto, Décio, arquiteto por formação, projetou um centro cultural. Seus esboços serviram, agora, ao arquiteto Guilherme Hallack, que desenvolveu um estudo de ocupação do local, ampliando o alcance e a atuação do futuro espaço de cultura. “Fizemos uma releitura do projeto dele”, diz sobre o autor do projeto do prédio onde por anos funcionou a reitoria da UFJF e hoje serve de sede ao Museu de Arte Murilo Mendes. “O trabalho do Décio merece mais divulgação também. Esse prédio da reitoria tem um rigor estético e funcional muito alto”, avalia, assegurando ter dado ao desenho do mais velho dos Bracher formas contemporâneas. “Teria que ser uma construção coadjuvante, porque quem protagoniza é o Castelinho”, resume Hallack, que entrou pela primeira vez no casarão no final de 2018 e logo se encantou. “A história do Castelinho e daquela família é muito interessante. Tenho saudade de um negócio que nunca vivi. Essa época deve ter sido muito legal. Juiz de Fora precisa conhecer mais sobre eles”, defende o arquiteto.
No prédio anexo estão previstas galerias e espaço para a conservação das obras de arte do Castelinho, com controle de umidade e luminosidade. Numa espécie de terraço, haveria um jardim de esculturas e um mirante com vista para a Avenida Getúlio Vargas, que àquela altura é observada em toda a sua extensão. “Um dos partidos do estudo foi o concreto aparente, que chamamos de brutalismo, um elemento mais frio, para ter contraste com o castelinho mais colorido e cheio de vida. Ele teria um gabarito bem menor para não atrapalhar a visão, apesar de o entorno já estar comprometido”, aponta Hallack, ainda sem uma previsão de custo do empreendimento. “É um projeto simples, não tem nada de mais, mas só podemos falar em orçamento quando tiver um projeto básico, que ainda não temos, já que é uma primeira ideia.”

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Coleção Gilberto Chateaubriand

Ainda indefinida, a ocupação do Castelinho e do prédio anexo devem ser pautas próximas. José Alberto Pinho Neves defende que seja feito um amplo e complexo debate sobre o assunto, fundamental para a viabilidade de um centro cultural numa íngreme rua da região central da cidade. “Qualquer projeto de cultura depende de como você o traça para que o público compareça e de que público se deseja alcançar. O próprio projeto tem que criar a curiosidade para que a comunidade queira ir. Também tem que ter projetos com escolas, para que as crianças se exercitem lá dentro para a arte, criando vínculos com uma geração nova”, ressalta o gestor, professor durante décadas do Instituto de Artes e Design da UFJF. “Parcerias terão que ser feitas, com instituições das mais diversas, de diferentes instâncias”, sugere.
Para Pinho Neves, talvez seja necessário criar área para auditório e biblioteca no prédio anexo. Para Guilherme Hallack, o acesso à casa também deverá ser discutido. “A questão de estacionamento é bem difícil ali. Mas como estamos no Centro da cidade, deveria haver um facilitador para isso”, pontua. Para Carlos Bracher, não pode faltar no centro cultural uma área reservada a um memorial dos amigos do Castelinho. “Fiz um cálculo de cerca de 700 pessoas que passaram por aquela casa. E temos muitos depoimentos do que o Castelinho significou para elas. A importância no sentido humano, de conhecimento político, espiritual. Também temos fotos, muitos vídeos”, enumera o artista, em entrevista por telefone de Ouro Preto, onde vive.
Considerada uma das mais importantes e volumosas coleções de arte do país, a Coleção Gilberto Chateaubriand, abrigada em comodato pelo Museu de Arte do Moderna do Rio de Janeiro, pode também figurar entre as atrações do futuro Centro Cultural Castelinho dos Bracher. “Um dia fui ao Rio e contei da casa. O Bebeto (Carlos Alberto, filho de Gilberto) virou-se para mim e falou: ‘Bracher, vamos oferecer toda a nossa coleção, que são 8.200 obras!’. Ele falou comigo que, durante 30 anos, seria possível não repetir um único quadro”, conta Carlos, sobre a possibilidade de trazer a Juiz de Fora obras de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Anita Malfatti e muitos outros nomes seminais da arte brasileira do último século. “Podemos trabalhar na revisão da arte brasileira no século XX até os contemporâneos através da coleção de Gilberto, mas isso envolve o empréstimo e o seguro das obras, que colocam outros questionamentos”, pondera Pinho Neves. “Trazer essa coleção vai atrair o público, porque é algo que nunca aconteceu na cidade”, ressalta.

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Carlos Bracher durante entrevista à Tribuna em 2018 (Foto: Fernando Priamo)

Agigantado, acervo do Castelinho narra arte local

A vocação para guiar uma instituição cultural faz parte da história da família Bracher em Juiz de Fora. Em dezembro de 1965, há 55 anos, os Bracher inauguraram a Galeria de Arte Celina, no segundo andar da Galeria Pio X, homenageando a filha e irmã morta nove meses antes. “O Frederico Morais considera esse o primeiro centro cultural do Brasil, um conceito que não havia outrora. Existiam os museus, os teatros, os cinemas e a Galeria Celina era um mix de tudo isso, como a nossa casa”, orgulha-se Carlos Bracher sobre o local que recebeu exposições de Picasso e Calder, além de uma histórica montagem de “O romanceiro da Inconfidência”, com música original de Sueli Costa. “Era revolucionário”, brada o artista.
Extensão da casa, a primeira galeria de arte de Juiz de Fora confirmava o interesse da família na agitação cultural local, o que permaneceu mesmo após o encerramento das atividades. Hoje a efervescência da residência pode ser medida por seu volumoso e expressivo acervo, que Carlos Bracher calcula reunir entre 600 e 700 obras de arte, que terão papel de destaque no futuro centro cultural. “O acervo que tem no Castelinho é um primor, inclusive na arte de Juiz de Fora da década de 1940 para frente. Há (Ângelo) Bigi, que é anterior a 1950, e passa por Sylvio Aragão, Roberto Gil e os meninos novos na época, como Carlinhos (Bracher), Nívea (Bracher), Dnar (Rocha), Ruy (Merheb). Essa geração se reuniu no entorno da própria (Sociedade Antônio) Parreiras e mais tarde na Galeria Celina”, pontua Pinho Neves.
De acordo com o presidente da recém-criada instituição, o acervo permite narrar a história da arte juiz-forana recente. “Tem, também, coisas preciosas do Wandyr Ramos, quatro obras, ao lado de 400 obras do Roberto Gil. Essas obras que já estão lá ficariam dentro da própria casa ou numa sala especial no anexo? São essas discussões que vamos promover agora”, afirma, para logo concluir sobre a grandiosidade do que o Castelinho dos Bracher preserva: “A família querer entregar isso a Juiz de Fora é um gesto elogiável”.

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