Revitalizado, antigo Príncipe Hotel dá novo fôlego à Praça da Estação

Obra renova esperança de recuperação da área, alvo de frequentes reclamações de proprietários de imóveis e comércio no local


Por Mauro Morais

15/07/2018 às 07h00

Imóvel tombado pelo município manteve fachadas e volumetria, mas sofreu alterações internas para dar lugar a salas comerciais (Foto: Felipe Couri)

Faltava apenas ele. E isso era muito, já que sem o antigo Príncipe Hotel, a Praça da Estação perdia não somente um de seus maiores casarões, como também o único zimbório (a pequena torre que dá o acabamento à cobertura) e uma história que testemunha os áureos tempos em que os trens trafegavam pela Estrada de Ferro Central do Brasil e paravam para embarque e desembarque bem diante da Praça Dr. João Penido, que faz o encontro da Avenida Francisco Bernardino com as ruas Halfeld e Marechal Deodoro. Construído nos anos 1920, o prédio que toma a esquina da praça e segue pela Halfeld, retoma sua exuberância perdida há décadas pelos desgastes próprios do relógio. Em branco e tons de amarelo, o prédio que no passado assumiu o nome de Príncipe Hotel (também se chamou Grande Hotel Central e Hotel Avenida) conclui a reforma da paisagem da praça. Após um ano e oito meses, a obra de revitalização do imóvel tombado chama atenção para a urgência de requalificação do endereço, cujo histórico permanece apenas na arquitetura dos bens particulares.

De acordo com a publicação “Núcleo histórico e arquitetônico da Praça Dr. João Penido” (Clio Edições), assinada pelos pesquisadores Patrícia Genovez, Mônica Leite, Paulo Gawryszewski e Raquel Fraga, trata-se de um bem tipicamente eclético, cujas características originais apresentam-se inalteradas. Seu uso, no entanto, alterou-se bastante com o passar dos anos. De acordo com um dos cinco proprietários do imóvel, o comerciante aposentado Geraldo de Matos, ao término da recuperação, todo o prédio se abrirá para o aluguel de salas comerciais, bem como das lojas no térreo. A vivência como hotel ficará para trás, e também o seu papel coadjuvante no setor. “(Ele) não recebeu tantas personalidades como o Grande Hotel Renascença. Talvez exatamente por isso ele tenha uma importância equivalente. Sem o glamour do hotel mais antigo da Praça da Estação, ele com certeza era a alternativa para milhares de pessoas que desembarcavam na Estação. Cumpria, portanto, seu papel entre os prédios que se localizavam na Praça: abrigava estrangeiros e viajantes, encontrados no fervilhante comércio e nas proximidades das fábricas instaladas nas áreas vizinhas à Praça Antônio Carlos, o desenvolvimento e os ares de modernidade ausentes no interior”, destacam os estudiosos.

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Um trabalho que saiu do papel

Três anos depois da compra do imóvel pelos atuais donos, o casarão teve seu tombamento decretado pelo município. O documento, que exige a preservação integral das fachadas e volumetria do bem, justifica-se pelo valor histórico e cultural, por ser um projeto de Raphael Arcuri e sua Companhia Pantaleone Arcuri, além da série de ornamentos e detalhes que embelezam o prédio. Segundo o proprietário Geraldo de Matos, quando a compra foi feita, inquilinos ainda ocupavam o imóvel. “Mas eles foram entregando, porque o prédio estava muito ruim. Então fizemos o projeto, que só na Prefeitura demorou quatro anos até ser liberado”, pontua, afirmando terem gasto cerca de R$ 1,5 milhão na obra.

Do papel para as mãos, o trabalho de conclusão de curso intitulado “Príncipe Hotel , Recuperação do Edifício no Centro Histórico de Juiz de Fora” e apresentado em 2010 por Lina Malta Stephan, ganhou vida em 2011, quando os donos do casarão procuraram a Prefeitura para viabilizar uma reforma no local e foram indicados à jovem arquiteta, cujo último trabalho de graduação havia sido orientado pelo artista gráfico e professor Jorge Arbach. “Sozinha eu não daria conta, então levei o projeto para a Permear (uma Organização da sociedade civil de interesse público)”, conta ela, referindo-se à entidade da qual é, hoje, vice-presidente.

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Grade com elementos circulares harmoniza com frontões florais e pedestais com pináculos e modilhões no edifício de arquitetura eclética (Foto: Felipe Couri)

Segundo Lina, após levantamentos e estudos, a proposta de revitalização foi apresentada em 2011 e aprovada no ano seguinte pelo Comppac. Até 2016, no entanto, não havia sido liberado o alvará, pela mesma Prefeitura, para a reforma do prédio. Tempo bastante para que a situação de degradação se ampliasse. E período no qual um de seus maiores símbolos tornou-se pó. “Não prevíamos a demolição da cúpula no projeto. Indicávamos apenas a restauração dela, mas quando a demolição foi feita, eu morava em outra cidade. Quem acompanhou a obra nessa fase foi o próprio conselho”, comenta a arquiteta.

Desenvolvida num primeiro momento com as medidas erradas, a nova cúpula foi novamente edificada, após Lina encontrar o projeto original exposto no restaurante de um dos netos de Raphael Arcuri. “Fico com pena de terem demolido a cúpula original e algumas paredes”, lamenta a arquiteta, docente na Universidade Federal de Viçosa nas disciplinas da área de representação gráfica, teorias de preservação do patrimônio cultural, e no curso de arquitetura e urbanismo da faculdade Metodista Granbery.

Das vantagens de estar na praça

Polêmica, a reconstrução d cúpula foi feita em alvenaria, descartando a restauração da peça-símbolo do bem (Foto: Felipe Couri)

Para o proprietário Geraldo de Matos, que já teve uma padaria no térreo do prédio, além de outros empreendimentos na região, a reforma, assim como a aquisição do prédio, é um investimento. “O prédio era de uma firma do Rio de Janeiro, a Docas e Participações Limitadas, que vendeu por não querer mais ter imóveis em Juiz de Fora. Foi bem caro na época, mas hoje vemos que valeu a pena”, sugere, certo do perene valor afetivo que o imóvel tem para os juiz-foranos. “Tenho carinho pela praça. Há 41 anos mexo com comércio aqui”, compromete-se.

Interditado em novembro de 2016, o prédio não sustentava nem mesmo sua torre mais alta, recuperada e instalada no último dia 1º, com a ajuda de um guincho. “A estrutura de madeira estava toda velha, estragada, podre. Refizemos tudo, com laje. Só o telhado que mantivemos com madeira”, ressaltada Matos, afirmando ter sujeitado todo o processo à Funalfa, que fiscalizou, intervindo, inclusive, na nova paleta de cores.

“A ideia é manter cinco lojas no primeiro andar, uma para cada proprietário, e os quartos de hotel viraram salas comerciais, todas com banheiros. Nos fundos do edifício, respeitando o gabarito (a altura do prédio), construímos uma nova edificação que integra o espaço. Mantivemos as fachadas, com um trabalho de restauração, mas o interior foi bastante modificado”, reforça a arquiteta responsável pelo projeto Lina Malta Stephan. Concluído o trabalho, fecha-se um ciclo de revitalizações dos prédios do entorno da praça.

Resta, no entanto, a própria requalificação do endereço, considerado um dos principais cartões-postais de Juiz de Fora, alvo de diferentes projetos arquitetônicos e urbanísticos apresentados nas últimas décadas.

“Vamos morrer de velho sem ver o projeto (de revitalização da praça) sair do papel”, lamenta Matos. “Eles (os governantes) prometem fazer, mas falta muita coisa. Inclusive, a Polícia Militar estava aqui e já não está mais. Acredito que nem que fosse um guarda municipal, mas deveria ter alguém para olhar por esses patrimônios municipais”, faz coro Paulo Cézar Meneguelli, outro proprietário do extinto Príncipe Hotel.

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Abandono no ponto histórico

Fachada da Associação Comercial, recuperada em 2014, já foi pichada por duas vezes no último ano (Foto: Felipe Couri)

Primeiro imóvel restaurado na Praça da Estação, o Grande Hotel Renascença guarda consigo não apenas uma narrativa de pioneirismo e luxo, como também o testemunho da decrepitude da região onde está instalado. “Incentivamos todos os nosso vizinhos a também restaurarem seus imóveis. Temos uma história que lutamos para preservar. Mas não temos incentivo, nem apoio. Fazemos por amor, porque, assim, também conservamos a nossa própria historia”, comenta Eliseu Pereira do Vale, proprietário do Renascença. “A praça piorou muito. Quando trouxemos a Polícia Militar para cá, melhorou um pouco, mas hoje ela está abandonada. E isso prejudica todos nós e nossos negócios. Acredito que ela, até pela história que tem, merecesse uma atenção maior da Prefeitura”, sugere Vale, ponderando sobre a dificuldade para solucionar o problema que envolve a ocupação do local por pessoas e comércios.

As marcas da vulnerabilidade do lugar estão expressas nas pichações que, pela segunda vez, tomam conta da fachada do prédio da Associação Comercial e Empresarial de Juiz de Fora, cuja última e mais profunda reforma foi feita em 2014. “É uma luta constante, recentemente fizemos uma recuperação de uma pichação do ano passado. E já estamos providenciando que o novo vandalismo seja retirado”, declara o atual presidente da instituição João Matos, otimista em relação ao potencial da Estação. “A praça já mudou com as lojas recém-inauguradas e deve mudar ainda mais com a reforma do prédio do Príncipe Hotel. Nosso desejo é que o espaço ganhe o prestígio que sempre teve”, conclui. Segundo Vale, é necessário, inclusive, uma mudança no imaginário da urbe: “Precisamos agregar valor à praça para tirar o estigma da parte baixa”.

Praça sem perspectiva

Indeferido e arquivado pelo Ministério da Cultura, o projeto Complexo Cultural Praça da Estação em Juiz de Fora previa o custo de R$ 18,5 milhões para que a região que congrega parte da história férrea do país e da narrativa social, econômica e cultural da cidade ganhasse novos contornos. Inscrita na Lei Rouanet pela Funalfa, a proposta ancorava-se num redesenho de todo o espaço, feito pelo escritório Arsenic Arquitetos Associados, do arquiteto Nikola Arsenic. Com uma carta de intenção de patrocínio assinada pela empresa MRS Logística S.A., o projeto incluía a restauração e revitalização tanto da praça quanto da estação e seus arredores, além da criação de um centro gastronômico e cultural, uma galeria com mostras e oficinas de arte e um centro de inclusão digital e capacitação profissional.

Alvo de diferentes projetos de requalificação, Estação aguarda momento de voltar a ser o cartão-postal da cidade (Foto: Fernando Priamo)

Atualmente, não existe perspectiva para a viabilização do projeto. Conforme informações da assessoria de comunicação da Funalfa, “a Dipac não tem atribuição de elaborar projetos, apenas avaliar propostas apresentadas e encaminhar para avaliação final do Comppac”. Ainda segundo a nota, o acompanhamento das obras de restauro e da reforma dos prédios que integram a praça é realizado pelos profissionais do setor em atendimento às aprovações do conselho. No caso do imóvel do antigo Príncipe Hotel, “os proprietários vêm realizando consultas à Funalfa quando surgem dúvidas sobre os procedimentos a serem adotados, sempre acatando as orientações recebidas”. De acordo com a Prefeitura, “a Guarda Municipal informa que atua de forma preventiva, realizando rondas no local. Já a Secretaria de Desenvolvimento Social faz abordagens periódicas a moradores de rua”.

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