Rafael Bittencourt, guitarrista do Angra, fala sobre retorno no JF Rock City

Fundador de uma das maiores bandas de metal do Brasil fala da turnê comemorativa dos 20 anos de “Rebirth”, que tem início nesta quinta em Juiz de Fora


Por Júlio Black

15/06/2022 às 07h00

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Angra volta aos palcos depois de três anos afastado do público em função da pandemia (Foto: Henrique Grandi/Divulgação)

Sem subir aos palcos desde 2019, a banda Angra reencontra os fãs nesta quinta-feira (16), no Cultural, como headliner do festival JF Rock City, onde inicia a turnê comemorativa dos 20 anos de “Rebirth”, um dos álbuns mais emblemáticos de um dos maiores e mais longevos grupos de metal do Brasil. Até julho, o quinteto formado por Fabio Lione (vocais), Rafael Bittencourt (guitarra, fundador do Angra e único remanescente da formação original), Marcelo Barbosa (guitarra), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria) vai passar por várias cidades brasileiras, entre elas São Paulo, Belém (PA), Curitiba (PR), Rio de Janeiro e Vila Velha (ES), com uma rápida escala em Santiago, no Chile.
Por conta da apresentação em Juiz de Fora, Rafael Bittencourt falou para a Tribuna a respeito da expectativa pelo retorno aos palcos, as memórias da época do lançamento de “Rebirth”, seu legado e os paralelos com os dias atuais, além do início de composição do próximo álbum, sucessor de “ØMNI” (2018). Além do Angra, tocam no Cultural nesta quinta, a partir das 14h, as bandas Contratempo, Insannica, Sensorium, Kyndra, Tuatha de Danann, Obey!, Martiataka e Excêntrica.

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Tribuna – A apresentação em Juiz de Fora abre a turnê, e será o primeiro show do Angra desde o início da pandemia. Como está a expectativa?
Rafael Bittencourt – A apresentação em Juiz de Fora será a primeira desde 2019, e a fissura está muito forte, todos muito ansiosos. E não só por isso, porque a gente vai fazer um show muito especial, que resgata o “Rebirth”. É uma pesquisa que toda a banda faz por um momento muito importante para o grupo, de renascimento. É um duplo renascimento: a gente relembra o “Rebirth”, mas também renasce como banda, depois de três anos. A gente tem muitas músicas que nunca foram tocadas no repertório, o Fábio mesmo falou que tem sete músicas, mais ou menos, que ele nunca cantou, então será um desafio para todos. É uma celebração em vários momentos, o mundo retornando, renascendo também, a sociedade, os eventos, a vida social.

O repertório do show se resume ao “Rebirth”, ou também entram músicas de outros álbuns?
A gente vai tocar o “Rebirth” na íntegra, na ordem original do disco, e depois tocamos uma de cada álbum, alguns álbuns a gente toca um pouco mais de uma. Realmente, é um passeio por 30 anos de carreira do Angra.

Há planos da turnê se estender para o exterior?
Apesar de termos tido convites para estender a turnê para o exterior, inclusive o Japão, nós vamos parar por aí. Vamos fazer uma turnê um pouco mais curta para podermos nos dedicar ao álbum novo. Estamos com muita vontade de tocar para o público, estarmos juntos como banda, mas mais forte ainda é a inspiração de tudo que nós vivemos nos últimos anos para criar músicas novas e um álbum novo.

Com os ensaios, acredito que tocar novamente as músicas do “Rebirth” deva despertar várias lembranças. O que se lembra de mais importante da época da gravação do disco, e como analisa o trabalho com esse intervalo de duas décadas?
Tocar essas músicas do “Rebirth” é um resgate do momento musical e também do momento que estávamos vivendo. Uma coisa muito importante na época foi que, apesar de a banda ter acabado de ser dividida num processo meio conflituoso e, em alguns aspectos, até traumático para mim, os três novos membros que estavam na banda não tinham nenhum envolvimento pessoal com essa parte negativa dos conflitos, e isso trouxe um espírito muito iluminado, que olhava o futuro. Então, o “Rebirth”, apesar de ter nascido depois de um conflito e um fim trágico – de certa forma – de uma era do Angra, ele é um disco que olha o futuro, a esperança, o lado positivo das coisas, e isso é o que estamos vivendo de fato, hoje, com essa formação, que é um time muito conectado, sintonizado, que se valoriza, que se admira tanto pessoalmente quanto profissionalmente, e com um olhar para o futuro, um olhar de esperança, positivo, que visa a boas coisas para as pessoas e para nós mesmos.

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Rafael Bittencourt é o único remanescente da formação original do Angra (Foto: Llann Wé/Wikimedia Commons)

Segundo o release, “Rebirth” é um álbum que tinha por tema “uma civilização reconstruindo o mundo”. Desde 2020 vivemos o drama da pandemia, em que precisamos nos adaptar a uma nova realidade, pensar um mundo diferente, e, principalmente, melhor. Quais semelhanças observa entre a proposta do álbum de 2001 e a realidade em que vivemos?
O “Rebirth” é muito apropriado para o momento que estamos vivendo porque naquela época, no ano 2000, existia uma série de lendas a respeito do fim do mundo, mas tudo era muito vago, muito abstrato, e nada, de fato, se concretizou, e as pessoas tiveram pouca reflexão sobre a reconstrução de um mundo melhor, sobre como ser melhor diante das problemáticas, ser mais ou menos empático com os problemas das outras pessoas. A história do “Rebirth” fala de um desastre muito maior, que nos forçou a construir um mundo melhor, a rever a maneira que o mundo foi construído. E ela foi completamente fantástica na época, uma história fictícia, distópica, comparada com o que estava acontecendo, que era uma evolução tecnológica e um momento da economia mundial crescendo; a realidade era muito diferente da história que o “Rebirth” contava. Hoje ela se espelha de uma maneira muito melhor, porque realmente a gente viveu um trauma, uma pandemia que trouxe cicatrizes na sociedade, tanto no plano individual quanto coletivo, e que fez todo mundo, de alguma maneira, refletir sobre o que somos, como a gente se organiza, nos fez rever uma série de hábitos. Tudo isso torna o “Rebirth” muito atual, e foi muito legal porque ele passa a ser a trilha sonora desse retorno para as pessoas que gostam desse tipo de música.

E a pandemia, de que forma ela vai influenciar o que os fãs irão ouvir no próximo álbum?
A pandemia foi algo completamente generalizado, então não tem ninguém que não vá ouvir o álbum com os “ouvidos” transformados. Acho que as pessoas estão mais sensibilizadas, fragilizadas, consideram mais com quem elas se relacionam de maneira próxima, de maneira física. Você entende que estão todos vulneráveis igualmente na sociedade, independente de classe social, das diferenças. Somos todos vulneráveis a intempéries que estão além do nosso controle. Apesar do ser humano ter a ciência e tecnologia que evoluíram tanto, ainda assim somos vulneráveis às mudanças da natureza. E nós, da banda, estamos sensibilizados igualmente, acho que isso nos conecta, existe uma ferida aberta que ainda não se manifesta de maneira clara; acho que, com o tempo, a gente vai ver como isso se manifesta em cada pessoa. A música do Angra tem sempre a intenção de botar o dedo na ferida, mas também de assoprar e dar esperança de que as feridas se curem, pois os ciclos passam e se renovam.

A banda, aliás, já iniciou o processo de composição do próximo trabalho. Como tem sido esse reencontro, já surgiram muitas ideias e composições? E qual a previsão para o lançamento do sucessor de “ØMNI”?
Tem sido muito legal com a banda, conversando sobre as músicas, trocando ideias. E é muito legal como um inspira o outro muitas vezes; nos nossos encontros brotam ideias, o encontro gera inspiração. Tem sido muito frutífero, muitas ideias estão aparecendo. Não posso dizer que vai ser um sucessor do “ØMNI” porque muita coisa aconteceu, deu tempo de amadurecermos de várias maneiras, e a gente também está fazendo esse resgate do “Rebirth”, então tem muita coisa incidindo. O “ØMNI” é um clássico, é um dos meus álbuns preferidos do Angra, junto ao “Holy Land” e “Temple of Shadows”, mas acredito que o próximo álbum será o melhor dessa formação, esse é meu objetivo. Porque cada formação é como se fossem bandas diferentes, então é difícil comparar. O melhor álbum do Angra, para mim, é difícil eleger, porque são praticamente três bandas diferentes, e eu amo todas elas, todas essas fases, porque representam minha vida. Pretendo, então, que esse próximo álbum seja o melhor da história da banda, porque pretendo que ele mude a nossa história; o melhor álbum não é só aquele que as pessoas gostam mais, mas que muda a história da banda.

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