Artistas juiz-foranos lembram importância e influência da obra de Tim Maia

O pai da soul music brasileira morreu há exatos 20 anos


Por Júlio Black

15/03/2018 às 07h00- Atualizada 15/03/2018 às 07h27

Quem procurar por Tim Maia no Spotify vai encontrar o seguinte trecho na apresentação do cantor e compositor carioca no serviço de streaming: “O pai da soul music brasileira, Tim Maia nunca escondeu sua verdadeira natureza dos fãs, empregadores ou da lei”. Pois foi dessa forma que Sebastião Rodrigues Maia viveu por intensos 55 anos, como figura iconoclasta, polêmica, irônica, desbocada, mas, principalmente, com um senso de humor e um talento que dificilmente se encontra comparação na música brasileira. Plural em todas as direções de sua bússola musical, ele enveredou pela soul music, o funk, a bossa nova, pop, rock, MPB, jazz, baião, disco music e baladas românticas.

O legado? Canções como “Réu confesso”, “Do Leme ao Pontal”, “Me dê motivos”, “Descobridor dos sete mares”, “Gostava tanto de você”, “Um dia de domingo”, “Azul da cor do mar”, “Sossego”, “Imunização Racional (Que beleza)”, “Leva”, “Primavera (Vai chuva)”, “Você”, “A festa de santo Reis”, “Não quero dinheiro, só quero amar”; a fama de faltar aos próprios shows (que ele ironizava dizendo ser “o cantor que mais comparece a shows no Brasil”); a briga com as Organizações Globo; a juventude na Tijuca, onde formou um grupo de rock, os Sputniks, com Erasmo e Roberto Carlos; o conturbado período em que adotou a Cultura Racional; o consumo notório de drogas; a briga com as gravadoras, o que fez com que se tornasse um dos primeiros artistas independentes do Brasil e criasse o próprio selo e editora; a denúncia contra o “jabá” (pagar para tocar) nas rádios; e frases espirituosas como “Não fumo, não bebo e não cheiro. Meu único defeito é que minto um pouco”.

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A trajetória de Tim Maia, sob muitos aspectos, terminou exatamente há 20 anos, no dia 15 de março de 1998. Ele morreu de infecção generalizada em um hospital em Niterói (RJ), onde ficou internado por uma semana depois de sofrer edema pulmonar e parada cardiorrespiratória quando começava um show no Teatro Municipal da cidade. Mas Tim Maia continua vivo no imaginário popular e também nas músicas que legou para a música brasileira, seja nas rádios, nos serviços de streaming ou em tributos como os da banda Zé do Black, formada por músicos de Juiz de Fora para homenagear o “síndico” com o “Baile do Tim”; nos eventuais shows em que a banda Maglore interpreta músicas de Tim, a ponto de gravar uma edição do programa “Versões” para o Canal Bis; nas Pick Ups do DJ Pedro Paiva, do projeto Vinil é Arte; e no coração, mente e ouvidos de Marcelo Castro, da banda Silva Soul.

 

Obra marcante, do vinil ao cassete

Não importa como, mas a música de Tim Maia faz parte da memória musical de várias gerações, que entraram em contato com a obra do artista pelas ondas do rádio, nos sulcos do vinil e até mesmo no desenrolo das fitas cassete. “Engraçado, tentando lembrar de como as canções do Tim entraram na minha vida me perco nos caminhos da memória”, diz Pedro Paiva. “Não sei bem se poderia ser ‘These are the songs’ na voz de Elis (Regina), ‘Azul da cor do mar’ ou qualquer outra canção de seus discos lançados pela Polydor. Realmente vívido é um saboroso cheiro de infância embalada pelas melodias geniais do mestre Sebastião.”

No caso de Carla Detoni, baterista da Zé do Black, o primeiro contato com o trabalho de Tim foi por volta dos 7 ou 8 anos, com uma coletânea em fita cassete de seus pais que, por um feliz golpe do destino, ela redescobriu junto com outros LPs em sua casa. “Sempre ouvia junto com eles, gostava, chamava a minha atenção. E eu nem sabia quem era o Tim Maia, não conhecia o cantor, mas eu lembro da música tocando na minha casa, ‘Réu confesso’ e ‘Não quero dinheiro, só quero amar’ são as mais presentes na minha memória.”

Já Marcelo Castro, baixista da Silva Soul, diz não lembrar a primeira vez que ouviu as canções do “síndico”, mas com certeza era presença marcante em sua infância. “Talvez tenha sido na minha casa mesmo, com as músicas que meu pai ouvia, ou pelo rádio e TV em que ele sempre estava presente, ou pelo seu passado ou pelo que estava lançando no momento. O fato é que quando descobri a soul music americana, automaticamente fui parar no som do Tim Maia. Eu cheguei ao estilo pelas linhas de baixo bem trabalhadas e com uma sonoridade que se destacava. Era legal ver o meu instrumento em papel de destaque e não só dublando a guitarra como eu via no rock”, comenta.

Essencial e influente, 20 anos depois

Independente do “marco zero” na vida de cada um, todos destacam a importância da obra do pai do soul music brasileira para a nossa cultura musical. “Quando me deparei com o soul do Tim, não era tradução de um estilo americano. Ele recontou a história, trouxe para o universo brasileiro e praticamente criou um novo estilo. O que Tim Maia fez com a soul music pouca gente fez no Brasil. Talvez Raul Seixas também tenha alcançado ao misturar Elvis com Gonzaga, mas nada tão autêntico como o Tim”, afirma Marcelo Castro, para quem cada álbum que conhecia resultava em “amor a cada ouvida”, em especial os trabalhos dos anos 70. “Claro, ainda teve o Racional nesse caminho, prova de que o potencial musical dele é gigantesco. A fase 80 é boa também, mas ficou muito marcada por aqueles timbres de bateria típicos da década, o que deixa o som datado. Mesmo assim nessa fase tem clássicos como os álbuns ‘Reencontro’ e ‘Nuvens’, recheados de pérolas.”

“Você não vê uma tendência no trabalho do Tim. É um cantor brasileiro com uma voz maravilhosa, um tenor com um timbre ‘escuro’, com uma rouquidão na voz que acho fantástica. É um excelente compositor também, que traz a temática brasileira, do soul americano, fundindo o funk dos Estados Unidos, o blues com o samba, numa época que as coisas eram quadradinhas com a Jovem Guarda. Por isso mesmo fez esse sucesso estrondoso, e depois a parte romântica, mais lírica”, analisa Carla Detoni. “Depois que comecei a trabalhar com música, percebi que existem vários ‘Tim Maias’, porém não tem uma fase que eu não goste.”

Para o DJ Pedro Paiva, impressiona o massivo apelo popular das composições e a força da personalidade do compositor mesmo que tenham se passado duas décadas da morte de Tim Maia. “O musicista de talento absurdo cantou as dores do mundo como poucos e sempre manteve o coração atento às chagas da alma, sem nunca baixar a guarda em relação aos desejos do corpo de dançar o groove malemolente de hits eternos como ‘Sossego’ ou ‘Do Leme ao Pontal'”, exemplifica. “A polêmica de suas entrevistas, estilo de vida e posturas anti-heroicas alimentavam o mito mas não mostravam sua verdadeira essência musical. Apenas anos depois, já na profissão de DJ, vim a conhecer cada álbum, compacto e single para enfim, compreender Tim Maia como um parâmetro essencial da música brasileira.”

Tim de todas as épocas

Prova da importância e da longevidade do artista para a música nacional é a Zé do Black, que rodou mais de 25 cidades da região entre 2015 e 2017 com o “Baile do Tim”, tributo que cobria todas as fases da carreira do artista carioca. O repertório do “Baile do Tim” começa no final dos anos 60, passa pela “fase Racional”, mais mística, e as baladas românticas dos anos 80. “Fizemos laboratório, pesquisa, conversamos com o filho dele no Rio de Janeiro, conseguimos bastante coisa bacana. Não deu para reproduzir tudo, porque ele tinha uma produção extensa que chegava a dois discos por ano. E não era um cover do Tim Maia, que seria algo muito caricato. Ele era muito verdadeiro, único, e qualquer um que tente imitá-lo fica aquela coisa caricata, engraçadinha, acaba soando falso. Não era nosso objetivo.”

 

Tim Maia, 75 anos
Se estivesse vivo…

 

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Se estivesse vivo, Tim Maia teria completado 75 anos em 28 de setembro de 2017. Como artista que não tinha medo de experimentar novos horizontes musicais, nosso Sebastião poderia ter surfado novas ondas sonoras nestas últimas duas décadas, em que a música eletrônica virou a queridinha de muitos, assim como o funk carioca e outros ritmos. Poderia ter feito um “Acústico” para a MTV, tributos mil, duetos, parcerias com os novos talentos made in Brazil, revisitado a própria obra, virado Youtuber ou figurinha carimbada em talk shows, ter ganhado o próprio programa numa emissora de TV a cabo.

Ou continuar a falar mal de tudo e todos, pregar contra o jabá ou rir da decadência das rádios e indústria fonográfica frente à internet, abraçado o “quer pagar quanto?” propagado pelo Radiohead em “In Rainbows”. Ou ter ficado apenas com seus shows com a Banda Vitória Régia, reclamando do retorno. Ou ter feito nada, afinal Tim Maia era um mistério a ser decifrado (novamente) a cada dia. Por conta disso, pedimos para Marcelo Castro, Pedro Paiva e Carla Detoni imaginarem o que o bom e velho Tim teria feito nos últimos 20 anos – ou estaria aprontando hoje.

 

Pedro Paiva, DJ

Para Pedro Paiva, Tim Maia mantém um apelo popular mesmo duas décadas após suas morte (Foto: Fernando Priamo)

Praticamente impossível prever o que o mestre estaria fazendo hoje se estivesse vivo. Poderia estar vivendo em um castelo medieval na Europa, em uma cidadezinha do interior de Minas Gerais, ou mesmo em outro planeta de nosso Sistema Solar. Mas com certeza estaria compondo e lançando suas músicas de forma independente como fez por muitos anos, e lutando para distribuir sua arte de forma justa. Acredito que uma mesma luta de outrora seria transposta para o mundo virtual dos dias de hoje, e ele ainda estaria batalhando para ser visto, ouvido e comprado. E ainda: poderia apostar que o hoje em dia o síndico estaria fazendo a diferença na música popular brasileira.

 

Marcelo Castro, baixista

Presente nas memórias da infância, música de Tim Maia entrou de vez na vida de Marcelo Castro quando começou a ouvir soul music (Foto: Fernando Priamo)

Se ele tivesse vivo hoje…. Aí não dá pra ter certeza (risos)… Primeiramente o “Tim Maia Racional” não teria feito tanto sucesso, porque ele não ia gostar nem um pouco. Em compensação, acho que ele estaria com músicas bem atuais, com sonoridade bem trabalhada, porque ele era muito ligado nisso. Ele sempre gostava do mais moderno para o seu som. Mas ainda assim acho que os discos seriam os mesmos com metade de “mela cueca” e metade de “esquenta suvaco”, que para ele era a fórmula perfeita. Acredito também que ele se destacaria fora do Brasil, porque hoje a conexão com o exterior é muito maior que naquela época, vide uma coletânea dele produzida por ingleses que bombou de vendas na Europa na última década.

 

Carla Detoni, baterista

Elmir Santos e Carla Detoni, da Zé do Black, rodaram por mais de 25 cidades mineiras com o “Baile do Tim”00

Imaginar o que ele faria hoje é bem complicado. Se ele conseguisse recuperar sua saúde e continuasse cantando, acredito que estaria fazendo shows, porque morreu praticamente em cima do palco, onde mais gostava de estar apesar de toda a fama de que não comparecia a shows, uma antipropaganda que virou propaganda também. Nos anos 70, ele aderiu à Imunização Racional, que era uma espécie de seita, então acredito que talvez pudesse estar em outra onda dessas, num outro tipo de orientação racional ou irracional (risos), alguma religião, algo nessa linha. Era um cara que gostava de experimentar várias coisas que a vida oferece. Ou como apresentador num canal no YouTube, é a cara dele ter um canal com músicas, vídeos, amigos, depoimentos sobre a carreira e explorando a temática afrodescendente, pois tinha essa coisa forte da black music. Poderia fazer parcerias com os cantores atuais, talvez Tim Maia e Seu Jorge, com a galera do movimento hip-hop.

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