Orquestra Juiz de Fora celebra um ano do erudito ao popular

Orquestra Juiz de Fora comemora seu primeiro ano de existência reverenciando o maestro Nelson Nilo Hack, fundador da Orquestra Sinfônica Pró-Música, por onde muitos dos músicos passaram, e o violinista e professor Paulo Bosisio, solista na apresentação


Por Mauro Morais

10/08/2019 às 07h00

Orquestra Juiz de Fora se apresenta após palestra do professor e crítico musical Rodolfo Valverde, sobre o programa do concerto. (Foto: Fernando Itaborahy/Divulgação)

No dia da união matrimonial da violoncelista Mirele Kollarz com o violinista Vinicius Faza os amigos se reuniram formando uma pequena orquestra de cordas. Surgia ali, outro casamento, cujo elo é o ensinamento de um mesmo mestre, Nelson Nilo Hack, maestro morto aos 93 anos, em 2013. Formada por aprendizes que encontraram o regente no Centro Cultural Pró-Música, em conjuntos como a Orquestra Sinfônica Pró-Música ou a Orquestra de Câmara Pró-Música, por ele fundadas, a Orquestra Juiz de Fora comemora suas bodas de papel (um ano) neste domingo (11), às 20h, no Cine-Theatro Central. O concerto “Eterna música”, contemplado pelo Projeto Luz da Terra, que oferece datas gratuitas ou a baixo custo na maior casa de espetáculos da cidade, reverencia o legado deixado pelo gaúcho radicado no Rio de Janeiro, que mesmo já idoso e aposentado, viajava com grande frequência para dar aulas, ensaiar e se apresentar em Juiz de Fora.

“O maestro Nelson Nilo Hack foi um anjo que passou por nossas vidas”, emociona-se o violinista Yuri Reis, diretor artístico e regente da Orquestra Juiz de Fora, citando o amor pela música como um dos principais ensinamentos de Nilo Hack. “Uma lembrança dele que tenho muito viva a cada vez que entro no palco é da primeira vez que solei com uma orquestra. Ele era o maestro, e eu estava muito tenso. Ele chegou para mim, com muita calma e disse: ‘Fique tranquilo, estarei com você sempre que precisar. Se notar que está começando a ficar preocupado, olhe para mim que seguiremos juntos até o fim!'”, conta Yuri, sobre um personagem fundamental para a compreensão da história recente da música erudita em Juiz de Fora.

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Aos 28 anos, Yuri Reis assina como diretor artístico e regente da Orquestra Juiz de Fora. (Foto: Fernando Priamo)

Do entusiasmo constante de Nilo Hack e de sua contínua disposição, os 19 integrantes da nova orquestra retiram o fôlego para se reunir mesmo nas distâncias e correrias promovidas por cotidianos tão distintos. “O que nos une é o amor pela música. Tendo isso, contornamos qualquer adversidade. Se você parar para pensar, é realmente complicado juntar pessoas que têm vidas e horários completamente diferentes numa única causa que nem remunerada por enquanto é”, pontua Yuri, explicando que os ensaios são semanais, com os naipes separados, conduzidos por líderes. Já os encontro coletivos, mais raros, ocorrem geralmente aos domingos, quando não há apresentações para os músicos. “Nossa orquestra busca levar música de alta qualidade sendo próxima do público. Temos uma performance diferenciada, com ações ao longo dos espetáculos que buscam levar felicidade para o coração de qualquer apreciador, independentemente da idade ou do gosto musical”, comenta o regente, diretor da divisão de música de câmara da Universidade Federal Fluminense (UFF) e spalla da Orquestra Sinfônica Nacional da mesma instituição.

Do barroco a La casa de papel

Com um repertório que parte do barroco tardio do italiano Vivaldi, com seu “Concerto alla rústica em sol maior”, e chega à atualíssima “Bella ciao”, canção que integra a trilha da série espanhola “La casa de papel”, a Orquestra Juiz de Fora celebra seu primeiro ano demonstrando a versatilidade de uma formação que deseja, sobretudo, ser contemporânea sem abandonar a tradição. “Eterna música”, o título do concerto, representa esse cancioneiro que, mesmo erudito mostra-se absolutamente popular. “Para mim, uma música se torna eterna a partir do momento que passa por três gerações ou mais e é tratada com o mesmo respeito e entusiasmo”, descreve o regente Yuri Reis. “É incrível como muitas dessas canções já são tão tradicionais, e já estão tão enraizadas em nossa cultura que podemos chamar alguém que nunca assistiu uma orquestra e essa pessoa irá cantarolar um trechinho da obra, vai reconhecer. Aí é que está a eternidade de uma música que saiu do papel há muito tempo e ainda está no coração e na mente de todos no mundo.”

Repertório do conjunto contempla obras de Vivaldi, Chiquinha Gonzaga e a atual “Bella ciao”, trilha da série “La casa de papel”. (Foto: Fernando Priamo)

“Luar do sertão”, de Catulo da Paixão Cearense – “Não há, ó gente, ó não, luar como esse do sertão” – é a virada no programa que se inicia com compositores italianos, passa por nomes austríacos e alemães até desembarcar no Brasil de Chiquinha Gonzaga e Zequinha Abreu. Encerrando a noite, a orquestra executa a dançante “Can Can”, do alemão Jacques Offenbach, o tango “La cumparsita”, do uruguaio Geraldo Matos Rodriguez e a popular “Bella ciao”. “É extremamente gratificante e sempre um desafio tocar obras que vivem há muitas gerações. Músicas que passaram por todas as mudanças do mundo e continuam vivas, sendo tocadas em todos os cantos do planeta. Para tocar bem essas peças temos que entender sobre o compositor, o momento em que cada obra foi criada, tocar com estilo apropriado, sem perder o DNA”, comenta Yuri, que já integrou formações aclamadas no país, como a Orquestra Sinfônica Brasileira, a OSB, a Orquestra Petrobras Sinfônica e a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal.

As cordas do mestre Bosísio

Referência no ensino do violino em Juiz de Fora e no Brasil, Paulo Bosisio participa do concerto como solista em peça alemã. (Foto: Fernando Priamo)

Proclamado por Schumann como “o Mozart do século XIX”, o alemão Feliz Mendelssohn compôs seu “Concerto para violino e orquestra de cordas em Ré menor” aos 14 anos. Era um músico fenomenal, de qualidade incontestável, como também tornou-se Paulo Bosisio, carioca que na juventude seguiu para a Alemanha de Mendelssohn afim de aprimorar-se no violino. A temporada no exterior, financiada pelo governo alemão, rendeu-lhe o diploma de “Konzertexamen”, mais alto título conferido a um instrumentista no país europeu. Considerado um dos mais importantes nomes do violino no Brasil, Bosisio tornou-se professor da Universidade do Rio de Janeiro, a Unirio, e apresentou-se ao lado das mais conceituadas orquestras nacionais e internacionais. Neste domingo, sobe ao palco do Central como solista no concerto de Mendelssohn. “Toquei este concerto diversas vezes”, confirma o músico. “Os nove anos que passei na Alemanha foram de grande importância para minha profissão. Meus professores me passaram a tradição dos grandes do passado, que norteia a minha carreira até hoje.”

“A quantidade de violinistas e músicos que ele já orientou e ajudou não dá nem para contabilizar”, elogia Yuri Reis, que conheceu o mestre há 12 anos, quando tornou-se bolsista dele. “Com certeza essa oportunidade mudou minha vida. Depois disso, muito vivemos, como mestre e discípulo. Fiz bacharelado em violino com ele na Unirio e venci o mesmo concurso em que nos conhecemos (o 14º Concurso Nacional de Cordas Paulo Bosisio, promovido pelo Centro Cultural Pró-Música), fiz diversos solos e fui aprovado em concursos sob os ensinamentos dele. Já solei com ele, inclusive, e isso foi emocionante demais”, acrescenta ele, que hoje divide com Bosisio a Camerata de Cordas Villa-Lobos. “Ser professor, nas palavras do professor de meu professor na Europa, em um de seus livros, é exercer a mais nobre das atividades artísticas”, diz o veterano Bosisio, hoje com 69 anos. “E ela se une de maneira indissolúvel com o ato de fazer música”, completa.

Paulo Bosisio: “Ser professor, nas palavras do professor de meu professor na Europa, em um de seus livros, é exercer a mais nobre das atividades artísticas. E ela se une de maneira indissolúvel com o ato de fazer música” (Foto: Fernando Priamo)

ORQUESTRA JUIZ DE FORA
Neste domingo (11), às 20h, no Cine-Theatro Central (Praça João Pessoa, s/nº)

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