Grupos de folia de reis resistem ao tempo divulgando a tradição em Juiz de Fora

Formação do Bairro Ipiranga, A Caminho de Belém tem 25 anos e número de componentes igual à idade


Por Mauro Morais

04/01/2018 às 18h56

Grupo do Bairro Ipiranga A caminho de Belém iniciou peregrinação em São Vicente de Minas, no Sul do estado. (Foto: Fernando Priamo)

Herodes, ao saber do nascimento de um novo rei entre os judeus, se enraivece com o medo de perder poder. Diante de Baltazar, Gaspar e Melchior, pede-lhes a direção exata do menino. Munido de ouro, incenso e mirra, e guiado por uma estrela, o trio segue até Belém, encantam-se com o bebê e decidem não contar seu paradeiro ao rei romano. “Então Herodes, vendo que tinha sido iludido pelos magos, irritou-se muito e mandou matar todos os meninos que havia em Belém, e em todos os seus contornos, de dois anos para baixo, segundo o tempo que diligentemente inquirira dos magos”, narra o segundo capítulo do Evangelho de Mateus. Morador do Bairro Ipiranga, Carlos Augusto Morais Júnior representa no grupo de folia de reis A Caminho de Belém um dos soldados de Herodes, que respondem ao ódio, mas impregnam-se do amor que os impede de caçar o menino Jesus. “A gente vai pulando, dançando e cantando, como esses homens na época”, conta o homem que há 20 anos sai pelas ruas de Juiz de Fora e de outras cidades mineiras vestido com uma máscara entre o diabólico e o carnavalesco.

Retrato de uma tradição que resiste de geração em geração, demarcando uma Minas profunda, a interpretação de Carlos Augusto, feita com dedicação e entusiasmo, defende uma prática entre o sagrado e o profano, festejando o nascimento do Cristo com humor e irreverência. “O grupo nasceu há 25 anos, prezando a história do nascimento de Jesus. Quem fundou foi meu irmão, Marconi, que faz parte do grupo, mas trabalha”, comenta Magno Alves, envolvido desde a primeira formação e empunhando o apito que direciona a turma formada por 25 integrantes, todos católicos e moradores da Zona Sul de Juiz de Fora. “Começamos a andança no Ipiranga. Depois viajamos para São Vicente de Minas e descemos, passando por Andrelândia, Bom Jardim, Lima Duarte. Dia 6 retornamos para a casa, para a Festa dos Santos Reis na nossa região”, explica o homem.

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Palhaço de Carlos Augusto representa soldados que dissimularam a ordem de Herodes para proteger o Menino Jesus. (Foto: Fernando Priamo)

 

‘É como se pagasse uma promessa’

Na peregrinação que se inicia no dia 25 e, em cânticos, segue sempre com um estandarte à frente, os grupos exibem vestes novas, renovadas todos os anos, num compromisso com o belo e com o folclórico. “Escolhemos os panos, e cada um dá sua opinião para o modelo”, observa Magno, explicando o projeto executado pela prima de um dos integrantes. Já a fantasia do palhaço de Carlos Augusto, é ele mesmo quem escolhe, em detalhes. Compra panos, rendas, couro, fitas, pequenos espelhos e outros adereços e faz a encomenda à costureira. “Penso em fazer o mais enfeitado e assustador possível”, diz o homem, confirmando a disputa que cria consigo mesmo, ano a ano, em busca de evolução para o traje, este ano em vermelho e repleto de chifres, aranhas e caveiras, além da máscara de nariz vermelho e a crina de cavalo que fronteia a face.

“A emoção é grande. Para quem é de fora, vê só a fantasia e a alegria. Para nós, é algo mais, é fé e emoção. Saímos de casa, vivendo de doações, por esse período”, comemora Magno Alves, coordenador de um dos grupos da região que concentra o maior número de folias. No último encontro, em 2014, a cidade contabilizou 13 formações, nove delas na Zona Sul. Extinto após ameaças de violência por conta de rivalidade entre bairros, o encontro não foi capaz de desarticular os conjuntos que mantêm os festejos mesmo em meio ao trânsito confuso e pessimistas previsões meteorológicas. Ainda que a folia prescinda da alegria, só se abastece pela fé, palavra que os palhaços do A Caminho de Belém carregam nas costas. Eletricista, Carlos Augusto pede dispensa entre os dias 24 de dezembro e 7 de janeiro. “Tem 20 anos que saio como palhaço. Via como era a Folia e, por ser católico, tocando na banda da igreja, me envolvi nessa promessa”, comenta. A peregrinação é como se pagasse uma penitência? “É como se pagasse uma promessa”, garante o palhaço, para logo em seguida sair cantando, gritando, pulando e batendo a estaca que carrega como bengala.

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