As palavras que levo para casa

A cada desligar do gravador, um nó na garganta. Orgânicos intelectuais que emocionam. Falemos de vida, de gesto, de braço forte. É o que vale, realmente. Adenilde, doutora desde os baldes d’água colhida na mina para abastecer a própria casa


Por Mauro Morais

31/12/2017 às 07h00

O repórter Mauro Morais (Foto: Fernando Priamo)

Quando sentei-me à mesa da copa de azulejos azuis, uma vez mais senti-me acolhido. A casa de número 70 da Rua Dante Belei, onde vive Adenilde Petrina, sua família e a periferia de Juiz de Fora, numa Santa Cândida de tantas forças, aquece. Sobre a mesa estavam “A mídia e a modernidade”, do teórico John B. Thompson; Frantz Fanon com seu “Os condenados da terra”; a leveza das poesias de “Eu tenho unhas”, de Nicolas Behr; a biografia do rapper Sabotage, “Um bom lugar”, escrita por Toni C.; e “Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil”, organizado pela pesquisadora Cidinha da Silva. Preferimos, no entanto, falar de vida. É o que vale, realmente. E Adenilde contou de uma intelectualidade construída nos bancos da escola e, sobretudo, nos morros, na certeza de que contra silenciamentos históricos é preciso punho cerrado.

O reconhecimento de Adenilde como a mestra que é, doutora honoris causa, que me levou até sua casa naquela primeira semana de junho, representou muito mais do que um título à uma ex-aluna do curso de filosofia da UFJF e prestigiada militante social, mas o respeito a tantas outras vozes marginalizadas pela história oficial e pelas narrativas dos favorecidos, escritas às franjas da realidade.

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O título de Adenilde é também uma reverência à baiana do acarajé Dionília (Dione) Silva de Oliveira, ao padre Welington Nascimento de Souza, à artista Raízza Prudêncio, ao militante Carlos José de Souza (Fiote), à auxiliar de biblioteca Gisele Simões, ao catador Antônio José Alves da Silva, ao músico Paulo Cézar Calichio (Coração), à pedagoga Cátia Luciana Rosa Marcelo, ao motociclista José Maria de Sá e às jovens rappers Jaiane de Oliveira Brito e Lavínia Rufino de Oliveira, outras e tantas ideias que generosamente compartilharam comigo a certeza de uma Juiz de Fora negra.

A cada desligar do gravador, um nó na garganta. Orgânicos intelectuais que emocionam. Falemos de vida, de gesto, de braço forte. É o que vale, realmente. Adenilde, doutora desde os baldes d’água colhida na mina para abastecer a própria casa, desde a criação da Rádio Comunitária Mega FM, da Posse de Cultura Hip-Hop Zumbi dos Palmares, do Coletivo Vozes da Rua, guarda no título todo o discurso que eu, ao chegar em casa, ensino à minha filha.

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