Mesmo em queda, casos de gravidez na adolescência preocupam

No ano passado, foram realizados 842 partos de crianças e jovens em JF, o que representa dois casos por dia. Além do ciclo da exclusão, problema se agrava com crescimento de transmissão de sífilis para bebês


Por Daniela Arbex

26/11/2017 às 07h00

 

Aos 16 anos, a jovem Brenda deu a luz a sua filha Sofia no Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus na última semana (Foto: Olavo Prazeres)

De janeiro a outubro deste ano, 41 dos 1.777 recém-nascidos no Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus apresentaram sífilis congênita, cuja transmissão vertical pode ocorrer durante a gestação de mães contaminadas. O número é dez vezes maior do que o registrado há apenas cinco anos na maior maternidade da região, quando foram identificados apenas quatro casos. Os dados confirmam o crescimento das relações sexuais desprotegidas. Para agravar a situação, parte dessas crianças são filhas de meninas entre 10 e 19 anos. Considerada um problema de saúde pública, a gravidez na adolescência tem um elevadíssimo custo social e humano. Doenças como a sífilis, também diagnosticada em filhos de mães adultas, são apenas a parte mais visível desse drama. A cada dia, cerca de duas meninas da cidade dão a luz a nenéns que elas não têm condição de criar. Mães solteiras, em sua maioria, elas alimentam o ciclo de exclusão que afeta suas famílias há pelo menos duas gerações, comprometendo o futuro da infância e da adolescência brasileiras.

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Mãe de cinco filhos, Lucimar Marcelo dos Santos, 30 anos, acaba de tornar-se avó. A filha dela, Brenda Marcelo dos Santos, de 16 anos, teve Sofia de parto normal há quatro dias. Lucimar deu a luz a Brenda quando tinha 14 anos, mas, nesta idade, ela já era mãe de um menino. Seu primeiro filho, irmão de Brenda que está com 18 anos, nasceu quando ela tinha apenas 12 anos. Agora, aos 30, Lucimar assiste a filha trilhar o mesmo caminho que ela. “O filho acompanha a mãe. Eu arrumei menino cedo, e ela também. Não queria que isso ocorresse, pois desejava que ela tivesse o que não tive para mim, como estudo, por exemplo. Quando ganhei meu filho com 12 para 13 anos, eu tinha apenas a segunda série primária. Agora olho para Brenda e me preocupo. Que mãe não se preocupa com o filho?”, questiona Lucimar, cujo filho mais novo está com 2 anos e já é tio de Sofia.

Brenda conta que o pai de Sofia também tem 16 anos, como ela. Admite que não usava proteção nas relações, tomava pílula de vez em quando, mas nunca pensou que engravidaria. “Agora, olhando para Sofia, tenho medo do futuro e do que vai ser lá na frente”, diz a jovem que abandonou a escola e hoje reside em Belmiro Braga.

Responsabilidade recai sobre a jovem

Dados da Secretaria de Saúde de Juiz de Fora revelam que, no ano passado, 842 meninas entre 10 e 19 anos deram a luz na cidade. Apesar de ter havido uma pequena redução nos últimos cinco anos, com 142 partos a menos do que os realizado em 2012, os números – abaixo da média nacional -, mostram que, mesmo com a multiplicação de informação, meninas continuam se arriscando em relações sexuais precoces e desprotegidas. O ginecologista e obstetra, Ricardo Campello, que preside o Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus, classifica de desastre social a incidência de gravidez na adolescência no país. De cada cem mulheres grávidas no Brasil, 18 têm entre 10 e 19 anos.
“É lamentável como isso tira toda a perspectiva positiva na vida de uma menina. Acho que a sociedade brasileira e o governo precisam colocar uma lupa no problema da proteção da adolescente, porque, diferente do menino, recai sobre a mulher a responsabilidade diante desse bebê. Essa gravidez vai trazer junto com ela todas as consequências para a sociedade, para o filho que vai nascer e para a menina que interrompe toda uma trajetória de escola, de formação pessoal, de trabalho. Poucas conseguem sair bem dessa situação”, alerta o médico, preocupado com a incidência dos casos.

Para ele, é necessário desenvolver programas que ajudem a proteger a menina, muitas vezes, vítima da desordem social e da desestruturação da família. “Se a adolescente não tiver uma estrutura familiar que a proteja, ela torna-se vítima brutal da sociedade que a cerca. Logo que o corpo dela começa a se transformar, ela é alvo de assédio praticado, muitas vezes, por pessoas da própria família, por padrastos, por vizinhos. A gravidez, como consequência de uma iniciação sexual precoce, cria todo um círculo vicioso negativo, difícil de superar. Se nós protegêssemos a adolescente agora, teríamos, daqui a 20, 30 anos, uma geração muito melhor, de filhos planejados e desejados. No Brasil, mais de 75% das gestações não foram desejadas.”

Para a enfermeira Adriana Vilella Ávila de Castro, a naturalização do problema agrava a compreensão de suas verdadeiras consequências. “Quando essas meninas engravidam, elas chegam aqui dizendo que aconteceu. São meninas cujas avós têm 50 anos, e as mães, 30. É um ciclo no qual se tornou natural iniciar a vida sexual cedo”, esclarece.

Realização do pré-natal ainda é tardia no município

Se as consequências sociais e culturais são graves, o impacto na saúde da mãe adolescente e do bebê também existe. Segundo o subsecretário de Atenção Primária da Secretaria de Saúde, Thiago Horta, a gravidez na adolescência é um dos critérios da gravidez de alto risco. Exatamente em função disso, a atenção básica referencia esses casos para centros de referência de atenção secundária, como o Departamento de Saúde da Mulher, localizado no PAM-Marechal, e o Centro Estadual de Atenção Especializada, onde a menina é acompanhada, junto com a atenção primária, na realização do pré-natal. Acontece que, em Juiz de Fora, o pré-natal é realizado tardiamente. Geralmente, ele é feito após o primeiro trimestre da gestação, o que impede a realização de diagnósticos precoces, capazes de detectar doenças, como a sífilis congênita, que, no ano passado, afetou 66 gestantes, 19 delas entre 10 e 19 anos.

Atualmente, o município realiza sete consultas pré-natal por gestante. O número atendia ao parâmetro mínimo estabelecido pelo Ministério da Saúde que, recentemente, mudou os critérios e passou a estabelecer, como média, 13 consultas de pré-natal até a 36ª semana. Como a idade gestacional na cidade está entre 36 a 42 semanas, o novo parâmetro vai impactar o número de consultas. Horta admite que Juiz de Fora está abaixo da média mínima, mas vem trabalhando para se adequar à nova orientação técnica. Ele destaca ainda que uma das causas do pré-natal tardio é a baixa adesão das gestantes adolescentes. “A adolescente geralmente não faz a adesão das ações de promoção de saúde, entre elas o pré-natal, muito em função da ideia de que a morte ou a doença só acontece na velhice. E o início do pré-natal tardio tem consequências de diversas ordens, inclusive com a transmissão da sífilis congênita. Uma das medidas do município foi a adoção da orientação, feita através de nota técnica publicada recentemente, de aplicação de benzetacil nas Unidades Básicas de Saúde como medida de tratamento”, explica Horta. Neste caso, mulheres grávidas, com sífilis, devem receber o medicamento para evitar a transmissão para o bebê.

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O subsecretário refere-se à nota técnica assinada em junho deste ano pelo Conselho Federal de Enfermagem. Nela, o órgão busca sensibilizar os profissionais do setor que trabalham em unidades de saúde para a importância da administração desse medicamento. “A presente nota técnica surge da necessidade de esclarecimento aos profissionais de enfermagem, sobre a importância da administração da Penicilina Benzatina nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente para o tratamento da sífilis adquirida e sífilis na gestação, que é um grave problema de Saúde Pública no Brasil, especialmente nas gestantes, devido à transmissão vertical, que pode causar aborto, natimorto, parto prematuro, morte perinatal e a sífilis congênita que ocasiona lesões cutâneas, alterações ósseas, surdez neurológica, dificuldade no aprendizado, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor e malformações”, salienta o conselho, determinando a administração do medicamento nas unidades do SUS.

Horta afirma que, muito antes da nota, o município já havia adotado um programa de imunização em relação às infecções sexualmente transmissíveis, como o HPV, cujas vacinas estão disponíveis para meninas dos 9 aos 15 anos. “A Secretaria de Saúde regulamenta o campo de prática da atenção primária com compromissos de organizar a saúde da família em vários ciclos de vida, desde a criança até o idoso. Uma das ações é justamente focada na gravidez na adolescência. O objetivo é diminuir esse indicador nos territórios através de intervenções focadas nos direitos sexuais reprodutivos, que busca orientar as adolescentes com relação a métodos seguros, uso de preservativos, combates de DSTs e infecções e orientação sexual.”

 

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