Trabalhadores de saúde dos Caps denunciam sobrecarga e assédio moral

Profissionais estariam adoecendo; Sinserpu-JF revela que ao menos 24 profissionais foram afastados em dois anos


Por Vívia Lima

21/09/2020 às 09h12- Atualizada 21/09/2020 às 20h41

“Como cuidar da saúde mental das pessoas se nós estamos doentes?” O questionamento ainda sem resposta foi feito por uma assistente social que trabalha em um dos quatro Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Juiz de Fora. A fala em tom de desabafo foi dita em virtude do adoecimento dos profissionais que atuam nessas unidades, que são referência em serviços de saúde mental do SUS em Juiz de Fora.

Nos últimos dois anos, pelo menos 24 desses profissionais foram afastados de suas atividades, conforme Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Juiz de Fora (Sinserpu-JF), com a queixa de grande demanda de atendimento e sobrecarga. Há ainda aqueles que solicitaram transferência para outras unidades. Os que ficam reivindicam melhores condições de trabalho e apontam aquilo que pode ser a solução: trabalhar em regime de plantão, no esquema de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, similar às ações dos serviço médico-hospitalar de urgência e emergência do município.

PUBLICIDADE

Os Caps são unidades que representam o rompimento do modelo de atenção manicomial, alinhado aos princípios do SUS. Em Juiz de Fora, desde 2019, tais unidades passaram a contar com equipes efetivadas, pois, até então, eram compostos em sua totalidade por profissionais contratados. A mudança foi considerada benéfica pela categoria. Por outro lado, trouxe à tona demandas até então desconhecidas por parte do Poder Público. Hoje, a cidade conta com quatro Centros de Atenção Psicossocial: Álcool e Drogas; Leste; Infância e Juventude e Centro de Atenção à Saúde Mental.

A principal reivindicação é quanto ao regime de plantão, considerado como forma de aliviar os problemas dos trabalhadores, por permitir criar uma equipe multiprofissional composta por psicólogos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e assistentes sociais. Na estrutura atual, mesclada por plantonistas e não plantonistas, os quatro tipos de profissionais não se encontram durante todo o horário de atendimento.

Para a categoria, a necessidade de ajuste na jornada de trabalho é urgente, uma vez que, no atual modelo, há grande número de pedidos de afastamentos e desgaste excessivo dos servidores pela sobrecarga de atividades. “Da forma como é feito hoje, só enxergamos piora no cenário que já é ruim. Além de a mudança permitir a atuação de uma equipe multiprofissional, não vai sobrecarregar aqueles que estão atuando nas unidades”, defende a diretora de Saúde do Sinserpu-JF, Deise Medeiros.

Ela pontua a necessidade de um olhar mais cuidadoso com a saúde mental. “Os Caps não são serviços de porta-aberta (quando se atende e a pessoa vai embora), é um trabalho contínuo. O profissional é uma pessoa de referência para o paciente, sendo, portanto, um serviço de acompanhamento para a reinserção social do usuário e a inclusão da família no tratamento. Como eles (servidores) irão reabilitar pacientes se estão sob forte carga de estresse, sobrecarregados e doentes?”

Denúncia de assédio moral

Intimidação, coação e dificuldade de acesso ao Departamento de Saúde são outros problemas denunciados pelos trabalhadores em saúde dos Caps. Somando-se aos males físicos e mentais, há relatos de assédio moral sofrido pelos profissionais por parte da chefia das unidades, conforme revela o Sinserpu-JF. Uma profissional que preferiu não ter sua identidade revelada, por temer retaliações, contou que os colaboradores têm sido transferidos das unidades sem, sequer, serem consultados.

“Na medida em que se dão os acontecimentos, eles nos chamam e pedem que expressemos os problemas. Mas, como vamos relatar se temos medo das consequências? Nós vimos colegas serem transferidos sem avisar, sem nem mesmo uma justificativa. Aqueles que tiveram coragem de reclamar ou apontar problemas, sofreram intimidação. Por muitas vezes, eles nos chamam no Departamento de Saúde Mental, sem a presença da nossa chefia imediata. Geralmente, tem três pessoas da gestão para falar com o profissional, e, por isso, nós nos sentimos acuados e desconfortáveis, pois sabemos que podemos ser punidos de alguma forma”, disse.

“Essa coação acontece diariamente e muitas vezes, de forma velada”, afirma. Ela ainda acrescenta que tais mudanças ocorrem sem considerar o desejo da pessoa, o vínculo com a equipe e com os usuários dos centros de assistência. “O vínculo entre paciente e profissional é que faz a adesão. Isso é essencial para que os usuários continuem seus tratamentos (…). Essa quebra causa falta de segurança e medo”, finalizou.

Tentativas de reunião frustradas

Para tentar solucionar o problema, uma reunião foi realizada entre representantes da Diretoria de Saúde do Sinserpu-JF e da Secretaria de Saúde na tarde desta segunda-feira (21). O encontro, segundo o sindicato, só aconteceu depois várias tentativas de agendamento com a gerência das unidades.

O conteúdo continua após o anúncio

“Depois, solicitamos por meio de ofício, uma reunião com o secretário de Saúde (Rodrigo Coelho de Almeida). Ele sentou em cima desse ofício e, até agora, nada foi resolvido. Numa tentativa de enxergar esses profissionais, passamos a colocar faixas na fachada dos Caps, para tornar pública a situação de vulnerabilidade e estresse em que são submetidos. É preciso mudar isso, caso assim não for, não teremos pessoas para trabalhar”, afirmou Deise.

Em nota enviada a reportagem na sexta-feira (18), a Secretaria de Saúde informou não ter recebido nenhuma demanda anteriormente acerca da situação relatada pelos trabalhadores dos Caps. Nesta terça, após o encontro, Sinserpu informou à reportagem que a PJF pediu um prazo de dez dias para avaliar as questões e denúncias levantadas pela entidade. Procurada, a assessoria da Secretaria de Saúde disse que só poderia dar mais detalhes sobre o encontro nesta terça.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.