Tribunal confirma obrigação de PJF indenizar vítimas de Santa Teresa

Pai e filho tiveram suas casas demolidas pela Prefeitura há quase 11 anos


Por Daniela Arbex

20/02/2019 às 07h02

Carlos Alberto e o filho, Carlos Daniel, mostram a decisão da 4ª Câmara Civil da TJMG (Foto: Fernando Priamo/Arquivo TM)

Quase 11 anos depois de ter a sua casa e a de seu pai demolidas pelo poder público municipal no Bairro Santa Teresa, Zona Sudeste da cidade, o taxista Carlos Daniel Amadei, 41 anos, voltou a ter esperanças em relação ao futuro. É que apesar de o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) ter reformado parcialmente a sentença de primeira instância proferida em março do ano passado, pela 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias Municipais da Comarca de Juiz de Fora, o órgão manteve, por unanimidade, a obrigatoriedade de indenização dos moradores. Na ação de primeira instância, a juíza Roberta Araújo de Carvalho Maciel reconheceu a responsabilidade da Prefeitura na demolição de imóveis afetados, em 2008, por extensa movimentação de terra.

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Esta semana, a 4ª Câmara Cível do TJMG julgou procedente o pedido de indenização por danos morais e materiais e determinou que o taxista receba R$ 135 mil como quantia base, já que o valor deverá ser acrescido de correção monetária a partir do evento danoso. Já o pai dele, Carlos Alberto Amadei, 73, deve receber R$ 105 mil, estipulado como valor inicial. Além disso, os dois deverão ser ressarcidos por todos os aluguéis e encargos suportados, a partir do dia em que perderam suas casas, destruídas pelo município sem o consentimento de seus donos.

Pai e filho são os primeiros moradores de Santa Teresa afetados pela tragédia que alcançou 13 famílias a obterem, finalmente, uma decisão em instância superior. Em nota, a Prefeitura informou que vai avaliar a decisão judicial para verificar quais medidas deverá tomar. O Município até poderá recorrer para tentar modificar os percentuais que incidirão sobre o valor mínimo da indenização e sobre as custas processuais, mas não terá meios de se eximir da responsabilidade de pagar.

De acordo com o voto do relator, o desembargador Dárcio Lopardi Mendes, apesar de o Poder Público ter ciência do fenômeno que resultou na movimentação da encosta naquela época, não foram tomadas medidas efetivas para evitar sua evolução. Ele cita, ainda, a perícia produzida nos autos, a qual indica que a “encosta do Bairro Santa Teresa, que sofreu deformações e provocou deslizamento de massa de solo e blocos de pedras, continua experimentando movimentação e que nem todas as causas que originaram o fenômeno/acidente foram sanadas, nem se limitam apenas a área já afetada em março de 2008.” O desembargador afirmou, ainda, que “prevendo uma tragédia maior, o apelante (Prefeitura) entendeu necessária a demolição dos imóveis, por sua conta e risco, calcado em laudo preliminar que recomendou a demolição, gerando, portanto, o dever de indenizar.”

‘Fomos enganados’

A tragédia que atingiu o Bairro Santa Teresa, na Zona Sudeste da cidade, após a movimentação do solo que causou trincas e rachaduras nas casas, deixou 54 imóveis interditados na região do Tupynambás. Na época, 156 pessoas foram afetadas, sendo obrigadas a deixarem seus endereços temporariamente. Algumas delas voltaram após mais de 30 dias longe de casa, outras se mudaram com medo de novas ocorrências, e há aquelas que perderam tudo. Em março de 2008, quando as demolições de 13 imóveis começaram, havia uma intensa discussão sobre a indenização das famílias que perderam suas moradias. O então prefeito Carlos Alberto Bejani prometeu que os pagamentos seriam feitos mediante levantamento do valor venal dos imóveis, mas a negociação não foi adiante, apesar de o montante das indenizações ter sido incluído no orçamento municipal. Com a prisão de Bejani naquele ano, a questão não foi adiante.

Na ocasião dos fatos, 13 moradias das ruas José Ladeira – onde Carlos Daniel e o pai moravam – e Edgar Carlos Pereira foram gravemente afetadas. Segundo Carlos Daniel, a demolição do imóvel onde passou toda sua infância aconteceu enquanto ele, na época com 30 anos, e outros residentes da área participavam de uma reunião na Câmara Municipal com representantes da Defesa Civil e da Amac. “Fomos enganados. Demoliram nossas casas enquanto estávamos em reunião. Quando retornei, o trator da Prefeitura estava terminando de demolir a minha. Senti um desespero total. Minha casa era minha referência no mundo e, de repente, foi demolida de forma brutal e traiçoeira”, lembra o taxista que, na época, tinha um filho de apenas 1 ano.

Danos

Para Carlos Daniel – que ocupava o andar de baixo do imóvel destruído -, a última década não foi fácil de ser vencida. Primeiro, ele morou de favor na casa de parentes. Dois anos depois, iniciou o financiamento de um imóvel em 25 anos. Desde então, luta para conseguir manter as prestações em dia e para se adaptar a uma rotina sem plano de saúde e com menos conforto do que tinha antes, quando usufruía de uma casa com quintal, churrasqueira, varanda e espaço suficiente para manter animais de estimação.

Há quase 11 anos, por determinação da PJF, máquinas estiveram na Rua José Ladeira para demolir os imóveis da família Amadei (Foto: Antônio Olavo Cerezo/Arquivo TM)

Hoje, Carlos Daniel, a esposa, o filho de 12 anos e a caçula de 3 já conseguem enxergar luz no fim do túnel. “Sempre acreditei no sonho de voltar a ter uma vida digna. Todos os representantes da Justiça entenderam a necessidade de reparação. Foi uma decisão unânime. Que a nossa vida possa ser reconstruída após tantos anos aguardando uma resposta. Que todas as vítimas de Santa Tereza sejam abraçadas pela justiça”, defendeu o taxista.

Para o desembargador Mendes, é inegável a ocorrência de dano moral, “tendo em vista o sofrimento, a angústia e a revolta de quem tem que deixar sua casa por risco de desabamento e, posteriormente, aceitar sua demolição, mesmo após a licença da Prefeitura autorizando a obra em loteamento devidamente aprovado por ente público”. O voto do relator foi acompanhado por unanimidade por outros quatro desembargadores da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Em defesa, Prefeitura tenta se isentar

Em suas alegações no processo, a Prefeitura comenta sobre a inépcia da petição inicial, afirmando que os autores não indicam nenhuma ação ou omissão ilegal que justifique a responsabilidade do Município pelo pagamento da indenização pleiteada. Assevera que tomou todas as providências que a ele cabia de forma a salvaguardar o interesse público. Argumenta, ainda, que, da narração dos fatos não decorre, logicamente, a conclusão, já que não há indicação de qualquer ato ilícito, sendo imperioso o indeferimento da petição inicial.

“Conforme se pode constatar do exame dos autos, a demolição do que restava do imóvel dos autores, promovida pelo Município, ocorreu amparada pela legalidade, com base em fatos irrefutáveis, consubstanciados em iminente risco aos cidadãos”, informa a Prefeitura em trecho do processo. Por fim, ela afirma que, no tocante aos danos materiais, é preciso considerar que os autores da ação não trazem aos autos prova de regularidade da construção das moradias junto ao Poder Público Municipal, apenas afirmam que a mesma, por estar sujeita ao imposto predial, presume-se regular. Ao construírem sem o crivo da municipalidade, diz o Município, os moradores assumiram o risco de erguer os imóveis em área não apropriada.

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Ressalta, ainda, sobre a inexistência do nexo causal, pois, segundo atesta o laudo técnico do Instituto de Criminalística do Estado de Minas Gerais, a ruína ocorreu em decorrência de evento natural, comum à morfologia do terreno naquela região, vinculado às características geológicas, hidrológicas, pedológicas reinantes, relacionadas ao equilíbrio e recuo das vertentes, e foi agravada pela estação chuvosa do ano, “sendo clara a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre o desabamento do imóvel dos autores e qualquer ação ou omissão do Poder Público”.

As alegações, no entanto, foram derrubadas na primeira e segunda instâncias, abrindo caminho para a reparação de outras 12 famílias. “Não merece subsistir a alegação de se tratar de caso fortuito ou força maior, que são fatos ou ocorrências imprevisíveis ou de difícil previsibilidade (…) ora, as características do solo já permitiam ao município prever que afundamentos e deslizamentos poderiam ocorrer e que tais problemas seriam ainda mais agravados com a urbanização e consequente impermeabilização do solo. Portanto, o problema ocorrido contou com interferência humana, não se tratando apenas de evento da natureza. Assim, imperiosa a indenização por danos materiais”, considerou o relator da ação no TJMG.

Para o advogado das famílias, José Marques Júnior, a vitória em segunda instância vem coroar a batalha travada contra o Poder Municipal há mais de uma década. “Não vamos descansar enquanto cada um dos moradores não receber o que for de direito seu. A expectativa é para que os outros processos sejam rapidamente julgados e que tenham o mesmo resultado: a vitória”.

Dívida ativa

Apesar de não reconhecer a legalidade da construção, provada no processo, a Prefeitura incluiu o nome do avô de Carlos Daniel na dívida ativa do Município pelo não pagamento do IPTU cobrado pelo terreno onde ficavam as casas de seu filho e neto. A explicação dada pela Prefeitura é de que o imposto tem como fato gerador a propriedade e o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou acessão física, localizado na área urbana do município. Sendo assim, o imóvel urbano, mesmo que seja apenas um lote vago, e este não tenha sido desapropriado, terá o seu lançamento do IPTU efetuado e em nome do contribuinte que consta no cadastro imobiliário. No caso em questão, o valor cobrado, esclarece o município, não é por edificação, mas por “lote vago”.

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