Retorno da paralisia infantil é ameaça em Minas

Cobertura vacinal em JF está acima de 95%, mas estado tem 24 municípios com índices baixos, como Chiador e Muriaé. Dados evidenciam falta de preocupação com doenças graves, que podem ressurgir


Por Carolina Leonel

13/07/2018 às 07h00- Atualizada 13/07/2018 às 07h16

vacinas estão disponíveis nos postos de saúde durante todo ano (Foto: Marcelo Ribeiro)

Os índices de cobertura vacinal entre bebês e crianças, nos últimos anos, têm apresentado queda acentuada no país. Com isso, doenças até então controladas, como poliomielite (paralisia infantil) e sarampo, voltaram a ameaçar a população. No início deste mês, o Ministério da Saúde emitiu alerta sobre 312 municípios brasileiros onde o índice de vacinação contra poliomielite está abaixo de 50%. Em Minas Gerais, 24 cidades estão sob risco de ressurgimento da doença, entre elas, dois municípios da Zona da Mata. Chiador, distante cerca de 80 quilômetros de Juiz de Fora, tem cobertura de apenas 46,67%. Em Muriaé, cuja distância é de 160 quilômetros, o índice é ainda menor: 45,15%. Vassouras, cidade localizada no estado do Rio de Janeiro, a 130 quilômetros, apenas 35,25% das crianças com menos de 1 ano foram vacinadas.

Em Juiz de Fora, contudo, os dados disponibilizados pela Secretaria de Saúde da Prefeitura evidenciam números positivos da cobertura vacinal contra poliomielite em crianças menores de 1 ano. De 2016 a março de 2018, o índice aumentou quase 17%, atingindo 99,63% – percentual superior ao ideal, de 95% – para as três doses da vacina. Com relação à vacinação contra sarampo, os dados também são positivos. Conforme a pasta, até março deste ano, Juiz de Fora atingiu 104% de cobertura da vacina triviral – que protege contra sarampo, rubéola e caxumba – para as duas doses da vacina, como determina o protocolo de imunização.

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Em contrapartida, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) informou que, em 2018, apenas 61,4% das crianças com até 2 anos tomaram as duas doses da vacina em Minas, o que coloca o estado em alerta diante do risco de retorno de doenças controladas há décadas.

Vacina é fundamental

Muitos fatores e circunstâncias têm contribuído para a queda dos índices, principalmente em crianças. Especialistas e profissionais da área da saúde divergem em relação aos movimentos antivacinas e sobre a eficácia das campanhas de vacinação, por exemplo. Entretanto, a responsabilidade pelo acompanhamento da vacinação de crianças pelos pais ou responsáveis diretos é consenso.

No Brasil, vacinar os filhos é obrigatório, e a imunização é direito garantido às crianças pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Além de ser ilegal, deixar de imunizá-los pode gerar multa aos pais, que podem ser acusados de negligência caso a criança venha a ser vitimada por uma doença para qual há imunização.

Políticas de verificação também visam aumentar a cobertura vacinal em crianças. Aos beneficiários do Bolsa Família, é necessário estar em dia com o compromisso do programa na área da saúde, que inclui a atualização da caderneta de vacinação conforme o calendário. Em escolas públicas e privadas, o documento pode ser solicitado para a realização de matrículas de alunos até o quinto ano do ensino fundamental. Entretanto, a prática não é uma exigência.

Para pesquisadora, campanhas devem ser elucidativas

Segundo Jacy Gameiro, professora do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que também atua na área de imunologia, a baixa cobertura pouco tem relação com o movimento antivacina. Para ela, tal movimento tem viés elitista e alcance restrito. “A grande questão é que, como são doenças que a população não está vendo acontecer, a preocupação com a vacina acaba diminuindo. Não porque não se acredita na vacina, mas porque se acredita que essas doenças não existem mais”.

Nesse sentido, a pesquisadora afirma que as campanhas não deveriam usar o termo “doenças erradicadas” para se referir às doenças controladas, já que o primeiro conceito pode gerar um pensamento errôneo. “Isso dá segurança e conforto para a população, que deixa de comparecer às campanhas de vacinação e de acompanhar o calendário vacinal corretamente”, afirma.

A teoria é a mesma defendida pelo Ministério da Saúde. Por meio de nota, o órgão informou que “o sucesso das ações de imunização tem causado em parte da população – e até mesmo em alguns profissionais de saúde – a falsa sensação de que não há mais necessidade de se vacinar”. O ministério diz ainda que existe desconhecimento sobre a importância e benefícios das vacinas, mas que “atua fortemente na disseminação de informações sobre vacinação em seus meios de comunicação” e que, juntamente com o Ministério da Educação, realiza o Programa Saúde na Escola.

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Falhas

Jacy acredita que ainda existem falhas de comunicação e de atuação nas unidades de saúde durante as campanhas de vacinação, outro fator que estaria contribuindo para a diminuição dos índices. “Na maioria das vezes a campanha é pouco convidativa e pouco elucidativa. É dado o cartão de vacinação aos responsáveis, mas não é informado sobre o que as vacinas previnem, muito menos como se contrai a doença. Não falam na linguagem do público-alvo sobre a real importância da vacinação”, ressalta.

A professora defende que “as campanhas têm que caminhar no sentido de que quem olha para uma criança são todos, não só a mãe. É um papel da sociedade. As vacinações recorrentes, por exemplo, acontecem apenas de segunda à sexta, limitando muitos pais que trabalham praticamente o dia todo. Portanto, ampliar os horários de atendimento à população é essencial”.

Ainda de acordo com ela, o possível retorno das doenças traz graves consequências individuais, sociais e de saúde pública. É o caso da morbidade, no caso da poliomielite. “A paralisia tem graves consequências e necessita de tratamento para toda a vida”.

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