Cadeirante impedida de receber ajuda de porteiro terá que ser indenizada

STJ estipulou valor de mais R$ 40 mil e determinou que uma plataforma elevatória seja construída no prédio


Por Por Julia Campos, estagiária sob supervisão da editora Regina Campos

11/04/2018 às 13h44- Atualizada 12/04/2018 às 20h27

 

A funcionária pública e cadeirante Ana Tereza Campomizzi entrou na Justiça para garantir seu direito de ir e vir (Foto: Arquivo pessoal)

A funcionária pública Ana Tereza Campomizzi, 59 anos, terá que ser indenizada em mais de R$ 40 mil pelo condomínio no Bairro Granbery, região central de Juiz de Fora, onde mora sozinha há cerca de 15 anos. A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda determina que o condomínio construa no prédio uma plataforma elevatória para que a servidora possa se locomover sem a ajuda de terceiros. Enquanto a obra não fica pronta, Ana Tereza obteve uma liminar que dá a ela o direito de receber a ajuda do porteiro do edifício para entrar no local.

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Ela precisou judicializar a questão, no final de 2010, após a maioria dos condôminos decidir, em assembleia, que o porteiro não poderia ajudá-la a subir a rampa de entrada do prédio. A funcionária pública, que se tornou cadeirante há 35 anos em decorrência de um acidente automobilístico, tentou o diálogo. “Nós fomos na Promotoria da Pessoa com Deficiência, a síndica foi, moradores foram, levaram advogados, e não teve acordo nenhum. O promotor falou comigo: ‘se você precisar sair de casa e não tiver como, você chama a polícia’. Teve um domingo à tarde que eu precisei sair, e o porteiro disse que não poderia me ajudar, cumprindo ordens, é claro, e aí eu tive que chamar a polícia para sair.” Foi após este episódio que, aconselhada pelo Ministério Público, Ana Tereza entrou com ação no Tribunal de Justiça, já que teve seu direito de ir e vir tolhido.

Uma liminar foi expedida em janeiro de 2011 para que o funcionário do condomínio continuasse ajudando a moradora. No tempo de espera entre a liminar e a proibição, Ana Tereza diz que ficava na porta do condomínio esperando que alguém a ajudasse a entrar. “Tudo poderia ter sido resolvido com uma simples troca de vaga (na garagem do prédio). A minha vaga é no subsolo, e tem vaga no térreo também, que é perto do porteiro. Construíram a rampa lá em baixo e disseram que o porteiro não ia me ajudar mais, mas eu não consigo subir a rampa sozinha. Descer, eu desço. Eu sou independente, tenho uma outra cadeira que fica na garagem. Eu chego e paro meu carro, passo para a cadeira que está lá, atravesso a garagem, o porteiro me vê na câmera e vai lá me ajudar”. Ana Tereza ainda diz que, ao contrário do que foi dito por pessoas que vivem no prédio, não quer que o porteiro a pegue no colo para colocá-la na cadeira, e nem quer que ele dirija seu carro.

Para ouvir a síndica do prédio, a Tribuna entrou em contato com a administradora do condomínio, que, por sua vez, até a publicação desta matéria, não havia conseguido localizá-la.

A decisão do STJ

Ana Tereza foi vitoriosa em três instâncias na Justiça. A sentença foi publicada pelo STJ em março deste ano.  Além de ter reavido, por liminar, o direito de receber ajuda,  a servidora pública terá que ser indenizada em pouco mais de R$ 40 mil por danos morais. O condomínio ainda recebeu o prazo de um mês, a partir da publicação da decisão, para construir uma plataforma elevatória que dá acesso ao elevador para que Ana Tereza não dependa mais de terceiros.

O relator do processo no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador Márcio Idalmo Santos Miranda, argumentou que a atitude do condomínio “violou o princípio da dignidade da pessoa humana – de valor supremo na ordem constitucional vigente”. Ainda segundo o relator, “os fatos apresentados e comprovados, por si, são suficientes para ensejar ofensa à honra da parte e lesão extrapatrimonial resultante de sofrimento causado por natural revolta, raiva, humilhação, tristeza e angústia”. Márcio Idalmo teve seu voto seguido pelos demais desembargadores do TJMG e ratificado pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Maria Isabel Galloti.

‘Vou lutar até o fim pelos meus direitos’

“Eu me senti muito mal, foi muito doído. Até então eu nunca tinha sido vítima de discriminação, pelo contrário, sempre fui muito bem acolhida nos lugares que vou e sofri este tipo de discriminação onde eu escolhi viver. Sou formada em direito, sou assistente de juiz, eu também luto pela Justiça e vou lutar até o fim pelos meus direitos”, desabafou Ana Tereza sobre a postura dos vizinhos, com quem diz ter se decepcionado muito.

Após a publicação da sentença do STJ, ela diz estar em paz. “Agora eu sinto que exerci plenamente o meu papel de cidadã e estou em paz. Acho que isso vai servir não só para mim, mas para outras pessoas também.” Ainda segundo a funcionária pública, a convivência com os vizinhos daqui para frente não será um incômodo. “Mudar daqui eu não vou e acho que é até o que eles queriam. Acho que se eu saísse daqui, eu jogaria para o alto tudo o que consegui. Eu tive que ir para os tribunais para mostrar o que é a dignidade da pessoa humana, o que é conviver com o diferente. Nem por um segundo eles se colocaram no meu lugar. Acho que o que está faltando muito é a delicadeza, a finesse da convivência com o outro, da inclusão. Isso é, simplesmente, inclusão”, diz.

Juiz de Fora possui diversos órgãos engajados na causa

Segundo a gerente do Departamento de Políticas Para a Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos (DPCDH) da Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS), Thaís Altomar, há um grande avanço presente que se mostra a partir do Estatuto da Pessoa com Deficiência, da Lei brasileira de inclusão de 2015, que entrou em vigor em 2016. “O Estatuto condensa todas as leis para pessoas com deficiência em um único documento, o que, na verdade, além de ser um facilitador para leitura, vai trazer à luz essa gama de direitos que todo cidadão tem.”

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Sobre o caso de Ana Tereza, a gerente do DPCDH diz que a pessoa com deficiência está “correndo atrás de seus direitos como todo cidadão deve correr”. “Nesse caso, há uma amostra de se valer o direito de ir e vir, que tem que ser garantido. É uma pena que a gente precise judicializar isso, porque, para muita coisa, bastaria o bom senso. Foi muito bacana a força com que ela (Ana Tereza) tomou essa decisão de mostrar a garantia de seus direitos.”

Ainda segundo Thaís, relatos como os de Ana Tereza não são incomuns. “Não são casos isolados, são bem comuns. Como precisamos muito mais do que as outras pessoas, vemos mais esta situação da negligência ao ser cordial. Algumas pessoas tendem a não querer se envolver, a não ajudar, se mostram desfavoráveis a agir como ser humano. Juiz de Fora tem arcabouço legal em relação à pessoa com deficiência. Nós temos o Departamento de Políticas Para a Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, temos um Conselho Municipal de Pessoas com Deficiência, e, fora isso, Promotoria, representação de comissão da pessoa com deficiência na OAB. São vários setores engajados na garantia dos direitos da pessoa com deficiência, não é complicado buscar um destes órgãos. O Departamento também faz os encaminhamentos necessários para a garantia dos Direitos Humanos”, informa Thaís.

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