População em situação de rua corre risco de desassistência

Obra Pequeninos de Jesus, que atende a 140 pessoas por dia, ameaça paralisar atividades por falta de repasses de recursos. Situação também afeta Casa de Passagem, que atende mulheres em situação de rua e famílias em trânsito


Por Daniela Arbex (colaborou Eduardo Valente)

03/03/2018 às 07h00

A Obra Pequeninos de Jesus, que atende diariamente 140 pessoas em situação de rua, ameaça paralisar suas atividades, realizadas no Bairro Ladeira, nos próximos dias. Vanessa Maria Farnezi Santos, representante legal da entidade que oferece café da manhã, banho e tratamento odontológico para essa população, diz que chegou ao seu limite. Segundo ela, há mais de dois meses a Prefeitura não faz os repasses para a realização do serviço, totalizando dívida superior a R$ 26 mil. A entidade, que já prestava o atendimento na cidade em contrato que venceu em dezembro do ano passado, foi habilitada no mesmo mês no edital número 1 do chamamento público organizado pela Prefeitura, após apresentar todos os documentos comprobatórios exigidos.

O chamamento público realizado pela administração municipal teve o objetivo de atender ao novo marco regulatório do terceiro setor instituído por lei federal. Na prática, as vencedoras só receberão recursos do Poder Executivo após a publicação oficial do termo de colaboração, o que ainda não tem data para acontecer. Dos 16 editais em andamento na cidade, o que contempla os Pequeninos de Jesus é o que oferece os menores repasses: R$ 13.199,24 por mês. Se comparado ao polêmico lote 3, que garante repasses mensais superiores e R$ 550 mil, o valor devido a Fundação Maria Mãe, responsável pelos Pequeninos de Jesus, torna-se irrisório. Significa menos de 2,5% do valor previsto para o fortalecimento de vínculos. Afetada pela burocracia, Vanessa afirma que não tem mais como manter as portas abertas, decisão que deve afetar também a Casa de Passagem para mulheres e famílias em trânsito em situação de rua.

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Para a coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos, Fabiana Rabelo dos Santos, o risco de fechamento das duas entidades que prestam atendimento a essa população é um retrocesso que resultará em desassistência. “Nós temos em Juiz de Fora um déficit de entidades que acolhem a população de rua. Historicamente, a Fundação Maria Mãe vem prestanto atendimento há anos para a população de rua, suprindo as deficiências do município com um trabalho humanizado que visa ao empoderamento dessa população. A possibilidade de fechamento é um retrocesso, ainda mais em um contexto no qual os equipamentos públicos não atendem toda a demanda da cidade.O Núcleo do Cidadão de Rua (albergue), por exemplo, conta com apenas cem vagas para homens em situação de rua e migrantes. Exatamente por isso, a Casa de Passagem (voltada para a população feminina) é considerada uma grande conquista da rede de assistência. Se ela faltar, onde essas mulheres serão assistidas? Isso é uma violação muito grave, porque trata-se da política de assistência social. Cabe ao município priorizar essas ações”, aponta a coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos.

Para a presidente da Fundação Maria Mãe continuar o atendimento sem receber é acumular dívidas. “Cheguei no meu limite. Não posso continuar a trabalhar sem dinheiro, dependendo apenas da caridade alheia. Já fui muito além de todas as condições que tinha. Chega”, desabafou Vanessa que, desde o ano passado, vem lutando com o rolamento de despesas que não puderam ser pagas exatamente em função de repetidos atrasos. Em nota, a Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) limitou-se a dizer que “a administração pública está adotando todas as medidas necessárias ao cumprimento das exigências legais impostas para urgente publicação do resultado. Tão logo haja aprovação definitiva pelo jurídico, o termo de colaboração será efetivamente publicado.”

No início da tarde de sexta-feira, a informação foi confirmada por meio de e-mail enviado para Vanessa pela Supervisão de Regulação de Convênios da SDS. No contato, é dito que, apesar de a SDS ter recebido os relatórios de atendimento da entidade referente à prestação de serviço dos meses de janeiro e fevereiro, o órgão “não poderá dar os prosseguimentos de praxe (encaminhamento para efeitos de liquidação), uma vez que ainda não houve publicação do Termo de Colaboração referente ao Edital de Chamamento 01/2017 SDS- Programa de Atenção às Pessoas em Situação de Rua-Inclusão Produtiva, do qual a entidade foi vencedora. Tal procedimento só se dará após a publicação e quando os relatórios forem devidamente preenchidos com o número do Termo de Colaboração e o tipo de atendimento ofertado”.

Casa de Passagem também acumula dívidas

Vanessa Maria Farnezi Santos, representante da Fundação Maria Mãe, garante que não tem meios de esperar pela regularização dos repasses e lembra que o rolamento das dívidas tem sido corriqueiro. Em 19 de janeiro deste ano, a Tribuna publicou matéria revelando que a Casa de Passagem, que conta com 50 vagas para o acolhimento institucional de mulheres em situação de rua e famílias em trânsito, estava com cinco meses de atraso nos repasses e uma dívida de mais de R$ 70 mil. Conveniada com a Prefeitura, a entidade privada que executa o serviço em Juiz de Fora não recebia da administração municipal os repasses referentes ao plano de atendimento desde o final de agosto de 2017. Por causa disso, acumulava dívidas de água, luz e aluguel, deixando ainda dez funcionários sem o pagamento de vencimentos por mais de 60 dias, incluindo o 13º salário. Na ocasião, a administração municipal atribuiu ao Estado a responsabilidade pelo atraso nos pagamentos, alegando que a dívida chegava a R$ 1,2 milhão, segundo dados da Secretaria de Desenvolvimento Social.

Em nota, a secretaria explicou que o custeio da Política Pública de Assistência Social de alta complexidade faz parte do Pacto Federativo Tripartite, formado pelas três esferas do governo, ou seja, Federação, Estado e Município. Entretanto, o Governo de Minas não estaria cumprindo com o pacto no repasse de verbas dos pisos fixo e variável desde 2015. Na ocasião, o superintendente de Proteção Social Especial da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese), Régis Spíndola, explicou que o atraso no piso mineiro estava relacionado à indisponibilidade orçamentária e financeira do governo estadual, afirmando que todos os esforços estavam sendo feitos para regularização dos pagamentos.

Como medida emergencial, a Prefeitura antecipou o recurso de R$ 60 mil referente às parcelas do Governo Federal, cujo repasse é trimestral. Ao invés de receber em março, o pagamento foi realizado em janeiro. O valor foi usado para quitar o salário de dezembro, o 13º dos funcionários e dívidas com fornecedores que já tinham suspendido o atendimento. Os valores referentes a parcelas do Estado, no entanto, continuam pendentes. “Não posso continuar acumulando dívidas. O único jeito é cruzar os braços”, afirmou Vanessa.

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