‘Gente que fez a Tribuna’: Gustavo Carvalho e as histórias nos degraus

Em celebração aos 40 anos da Tribuna, 40 profissionais que já passaram pelo jornal compartilham suas memórias, publicadas no portal, de 7 de julho a 31 de agosto, em contagem regressiva para o aniversário da Tribuna, no dia 1º de setembro


Por Tribuna

06/08/2021 às 07h00- Atualizada 06/08/2021 às 07h22

Das histórias que se escondem nos degraus

Gustavo Carvalho, repórter entre 1998 e 2002

Gustavo Carvalho passou a maior parte de seu tempo na Tribuna como repórter de cultura (Foto: Arquivo pessoal)

Eu tinha 22 anos quando entrei na redação da Tribuna pela primeira vez, como jornalista. Recém-formado, percebia aquela grande sala no final da Avenida Espírito Santo ainda maior, diante de tanta agitação. Uns teclando alucinadamente concentrados, outros conferindo as informações em blocos sem pautas, alguns apurando ou checando os últimos dados por telefone. Havia, ainda, quem chegava da rua com os fotógrafos e seguia direto para a mesa dos editores, com a crucial missão de convencê-los sobre a manchete; valia também uma chamada na primeira página do jornal do dia seguinte. Era como se, a qualquer momento, Lois Lanes e Clark Kents irrompessem ao meu lado. E pensando bem, de algum modo, irrompiam e permaneciam.

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Depois de breve passagem pelo caderno Voto & Cidadania, meu batismo, aprendendo a conectar as demandas da cidade à agenda política dos candidatos, cheguei ao Caderno Dois. A editoria de Cultura era uma referência na redação pela liberdade que dava aos seus jornalistas para buscar o estilo próprio da escrita, que podia ir além das técnicas clássicas usadas pelas outras editorias. Ao mesmo tempo que era referência para a classe artística local, o Caderno Dois, atento à nossa produção cultural, mantinha um diálogo animado com o que acontecia para além das montanhas de Minas. Por isso, também podíamos bater asas e voar na cobertura de shows, coletivas de lançamentos de CDs, livros, filmes e exposições ao lado dos medalhões nacionais.

Foi assim que, no ano 2000, recebi um convite do Ministério da Cultura para integrar o júri do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, criado para celebrar a retomada do cinema nacional. Chegou para mim, na redação, um pacote com dezenas de fitas em VHS. A missão era assistir a todos os filmes e votar nos meus preferidos, numa dezena de categorias. E assim foi feito. Levei aquele pacotão para casa e vi cada um deles, fazendo anotações e comentários que poderiam ser usados em críticas futuras. Havia tanta coisa bacana naquelas obras, que era preciso atenção e cuidado para não cometer qualquer injustiça, afinal, voto é coisa muito séria.

A premiação aconteceu no Palácio Quitandinha, em Petrópolis, numa noite de gala, em que jornalistas de todo o país disputavam depoimentos e ângulos de atores, atrizes, diretores, produtores. Eu estava acompanhado do fotógrafo Gilson de Assis, mestre ligado em tudo, tão ágil quanto Peter Parker, só que mais experiente. A noite corria com o glamour pretendido, quando um senhor muitíssimo elegante, sentado no degrau de uma escada próxima ao palco, me chamou atenção. Ele estava com os olhos levemente marejados e com um sorriso sutil, como se já tivesse vivido algo parecido antes. E, de fato, já havia sim: era Anselmo Duarte, diretor de “O pagador de promessas”, único filme ganhador da Palma de Ouro em Cannes.

Aquele momento permanece comigo, na memória, até hoje. Observar o homem que construiu uma carreira tão importante no cinema sentado num degrau enquanto assiste ao início de uma premiação mostra que sempre existem boas histórias para contar. Só que, às vezes, essas histórias incríveis estão ali no canto, fora dos holofotes. No fundo, acho que nunca deixamos de ser jornalistas. Mesmo estando longe do Planeta Diário.

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Tópicos: tribuna 40 anos

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