Parece uma casa, mas é um carro… e que casa!

Casal de aventureiros abre as portas de seu motorhome para a Tribuna


Por Wendell Guiducci, editor

22/03/2018 às 07h00- Atualizada 24/03/2018 às 15h58

Com o casal Guassalin Nagem e Vera Silveira, a vontade de adentrar um motorhome e a cultura do campismo foi um mero reflexo de uma vida inteira dedicada à aventura. (Foto: Arquivo pessoal)

A gente vê nos filmes. Depois de se aposentar, o cara pega uma grana, investe em um motorhome, bota a casa nas costas como um caramujo e sai rodando o país, desvendando as entranhas da cultura de sua nação e, porque não, de seu próprio eu. É o que fazem o personagem de Jack Nicholson em “As confissões de Schmidt” e o de Robert De Niro em “Entrando numa fria maior ainda”, para citar duas das ficções cinematográficas mais populares envolvendo esse tipo de veículo – e não dá para esquecer do uso pouco ortodoxo que Walter White e Jesse Pinkman fazem de um velho Fleetwood Bounder 1986 na série “Breaking Bad”. Com o casal Guassalin Nagem e Vera Silveira, a vontade de adentrar um motorhome e a cultura do campismo foi um mero reflexo de uma vida inteira dedicada à aventura.

(Foto: Arquivo pessoal)

Guassalin é motociclista. Pilota motos há 45 anos, há 34 com Vera na garupa. Veterano da estrada, o engenheiro recém-aposentado é agora um animado calouro dos carros-casas. “Eu tenho um amigo que tem motorhome há mais de três décadas. E há uns quatro anos ele me convidou para ir a um encontro em Itaipava (RJ). Peguei minha moto, fui e me interessei pela cultura do campismo”, conta ele, referindo-se à prática do acampamento turístico, verdadeiro estilo de vida para quem viaja e se hospeda em campings, seja em uma barraca do tipo iglu ou em um motorhome construído sobre o chassi de um ônibus.

PUBLICIDADE

O fato é que Guassalin saiu de Itaipava em sua Harley-Davidson, Vera na garupa, disposto a entrar para o clube. Comprou um trailer, que arrastava em uma Mitsubishi L200 Triton, não se adaptou e vendeu em sete meses. Depois, comprou seu primeiro motorhome, com o qual ficou por um ano, até decidir ter mais espaço e conforto. Adquiriu um caminhão Iveco Daily 70C17 – só cabine e chassi longo – e enviou para a empresa MotorTrailer, em Pirassununga (SP), uma das mais antigas (senão a mais antiga) do país, que montou o gigante de 8,50m de comprimento e 3,40m de altura. Aí sim, dois meses depois estava pronto para encarar grandes viagens. A primeira delas: 40 dias de estrada até o Uruguai, ida e volta por paisagens inesquecíveis, muito companheirismo e infindáveis histórias para contar.

motorhome-leo10motorhome-leo11motorhome-leo01motorhome-leo02motorhome-leo03motorhome-leo04motorhome-leo05motorhome-leo06
<
>
Foto: Leonardo Costa

Motor-casa, casa motorizada…

A cultura do motorhome no Brasil ainda é modesta comparada à de outros países – nem temos um termo abrasileirado ainda! -, seja pelo alto custo das casas motorizadas (olha o termo abrasileirado aí), seja pela falta de segurança e de qualidade das nossas estradas. Mas há um bom número de fabricantes espalhados pelo país. De forma geral, eles trabalham de duas maneiras: oferecem o motorhome já pronto ou o cliente leva um chassi, que pode ou não ser novo, para que seja montada sobre ele a “casa”, com kits mais ou menos pré-estabelecidos. Guassalin optou pela segunda alternativa. E teve ajuda decisiva de Vera, designer de interiores, na composição do ambiente.

Foto: Leonardo Costa

“Para nosso modelo pretendido, a fábrica estava estreando um novo visual e ofereceu cinco kits diferentes. Aí a Vera deu o toque dela, sugeriu que ficasse todo em tons de bege e bolou toda a decoração”, conta Guassalin. Ali tem tudo o que se pode precisar em uma viagem. Para trás da cabine de direção, o que se vê é uma verdadeira casa e um modelo de aproveitamento de espaço. A mesa de refeição, com lugar para quatro pessoas e reversível para seis, pode ser convertida em uma cama extra. Acima dela fica o forno microondas. No lado posterior fica o fogão de duas bocas, a pia, a geladeira, a televisão e uma adega climatizada. Ah, sim, sobre climatização: o ar-condicionado central deixa o ambiente à feição do freguês, seja no clima desértico do interior do Rio, seja nas regiões temperadas dos pampas uruguaios.

Cada nicho é aproveitado para guardar alguma coisa. Entre a sala-cozinha e o quarto, fica um vestíbulo e, dividido por ele, o banheiro: de um lado, o box com chuveiro e água quente; do outro, pia e vaso sanitário. No fundo do veículo, um quarto com cama de casal, outra televisão – com TV via satélite, para garantir a programação em todo território nacional -, DVD, sapateira e armários. Sob a cama, outro compartimento para guardar lençóis, edredons e travesseiros. Precisa de mais? Se precisa, vamos à varanda: uma vez estacionado, um toldo pode ser estendido, mesas e cadeiras dispostas e um outro fogão “puxado” para fora. Televisão externa tem também, para reunir os amigos do acampamento e rolar aquele som no DVD. E para não ficar preso ao trambolhão, Guassalin leva, em um compartimento sob a cama, uma motocicleta Honda PCX, que é para dar uns rolezinhos a cada parada.

 

Segurança

Com a violência descambando para níveis de guerra civil no Brasil, não é em todo lugar que se pode parar um motorhome. Mas, ainda assim, é possível viajar em razoável segurança. “Quando não houver um camping especializado, o ideal é parar em postos de gasolina de grandes redes”, orienta Guassalin. “Nesses locais, às vezes conseguimos até cabo de energia para alimentar o sistema da ‘casa’”, detalha o engenheiro, esclarecendo que o motorhome trabalha com uma bateria para o veículo e outras duas para atender às necessidades da “concha”, como as luzes, a televisão, a geladeira e o ar-condicionado. Portanto, estacionado, o veículo tem que estar ligado à eletricidade, com uma tomada normal, para que o sistema funcione a contento.

Foto: Leonardo Costa

Outras opções para o viajante são estacionar em pátios de igrejas, escolas, praças de pedágio, cemitério, fazendas, posto policial… o que garantir maior segurança em caso de necessidade. Mas o ideal mesmo é parar em campings. Ali há toda a estrutura necessária para uma estadia confortável, com eletricidade, água potável, local adequado para descarte de dejetos. Fazer parte de um clube – Guassalin é afiliado ao Amigos do Rio –, como fazem os motociclistas, é bastante recomendável para conseguir boas dicas e apoio em viagens conjuntas. Em sua ida ao Uruguai, na virada do ano, o casal variou as paradas entre postos de redes de combustíveis e campings. E não têm do que reclamar. “Eu, por mim, estaria viajando até hoje”, diverte-se Guassalin. “Chile, Argentina…”, vai enumerando sob o olhar desconfiado da esposa. “Ainda sou um pouco agarrada à minha casa. Sem rodas!”, admite Vera.

 

É caro?

O conteúdo continua após o anúncio

É sim, embora campistas não gostem muito de falar do preço de seus xodós. “A partir de R$ 250 mil você consegue comprar um bom motorhome”, projeta Guassalin. “Usado, a partir de R$ 80 mil.” Os RVs, como chamam os norte-americanos – sigla para recreational vehicle, ou veículo de recreação – variam de acordo com o luxo interno, com o tipo de chassi, acessórios… portanto, assim também variam os preços. Uma busca rápida no site Mercado Livre mostra usados que vão de cacarecos de R$ 16 mil a bitelões de R$ 650 mil. Não é difícil, logo, deduzir que uma máquina superequipada possa passar facilmente da casa do milhão de reais.

 

E a carteira?

A habilitação exigida para se conduzir um motorhome varia de acordo com o tipo. Uma carteira B é suficiente para dirigir modelos de até 6.000kg de peso bruto total. A habilitação C é de 6.000kg para cima, com no máximo oito lugares. Além disso, é preciso ter a carteira do tipo D. Mas mais importante que isso, é ter espírito de aventura. “Se não for aventureiro, não é bom negócio”, adverte Guassalin. “É preciso ter desprendimento e compreender que somos todos iguais. Na estrada, o espírito de solidariedade é o que impera”, encerra o engenheiro, com a sabedoria adquirida em seus quase 50 anos de sonhos realizados e asfalto queimado.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.