Nós, mulheres, não temos um minuto de paz

Casos como o da ciclista Andressa Lustosa, ocorrido no domingo, reforçam uma cultura machista, patriarcal, assediadora e arcaica.


Por Juliana Netto

30/09/2021 às 07h27

Imagine você, pegar sua bicicleta, sair para exercitar-se em um espaço público da cidade, utilizado por boa parte da população vizinha, e, no meio da atividade, sentir um carro aproximar-se as suas costas. Você se desequilibra com o veículo vindo em sua direção, cai perigosamente, esfola-se e rapidamente é amparada por pedestres que passam pela via. Aí, ao ter acesso a câmeras de segurança, percebe que aquele automóvel, na verdade, fez a manobra para que um dos ocupantes pudesse passar a mão em seu corpo. Sim, “passar a mão”, aquele termo que se falava lá no ensino fundamental, época em que meninos mais assanhadinhos tentavam, de forma marota, se aproveitar das garotas.

Este episódio real aconteceu com Andressa Lustosa, no domingo, em Palmas, no Paraná. Espremida entre o carro e o meio-fio, ela não só foi tocada por um assediador como, por pouco, não se tornou vítima fatal ao acidentar-se com a bike durante o ocorrido.

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Lembro-me perfeitamente que, nos primeiros dias da pandemia, muito amedrontada pelo coronavírus, fiquei uma semana trancada em casa. Sozinha de tudo, sem coragem até para colocar o lixo para fora. Ao descobrir a situação, minha amiga e vizinha corredora levou-me até a Estrada da Remonta, local no qual já tínhamos ido tantas outras vezes, para que ali eu pudesse tentar vencer um pouco do pânico que me dominava. Só não podíamos imaginar que, lá pelas 11h de uma manhã de sábado, com algumas outras pessoas também frequentando o espaço, viveríamos algo inesperado, que complicou ainda mais meu quadro de ansiedade: um cavaleiro que nos perseguiria com velocidade acima do que nossas pernas poderiam suportar. Foi preciso correr muito e pedir ajuda a um carro que passava na hora. Na terça seguinte, depois de muita conversa, fui convencida por ela a voltar ao local, mas, desta vez, para um percurso ainda mais próximo à guarita do Exército, logo na entrada da estrada. Pode não parecer verdade, mas adivinha quem estava lá novamente aguardando por suas vítimas? Em um cavalgar calmo e sereno, ele seguia à espreita da oportunidade.

Denunciamos o ocorrido aos soldados de plantão, relatei o caso à PM, mas não tínhamos uma câmera ou testemunhas que comprovassem o risco que corremos, tal como, felizmente, aconteceu com Andressa Lustosa.

Tais situações não ocorrem de maneira isolada. São frutos de uma sociedade que precisa mudar. De uma cultura machista, patriarcal, assediadora e arcaica. Desta forma, realmente é difícil que tenhamos paz. Paz para movimentar o corpo, descansar a mente e fazer uma atividade física – amplamente preconizada pelas autoridades de saúde para homens, mulheres, idosos, crianças…

Que, então, ao menos este mínimo de paz seja-nos oferecido.

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