O melhor e o pior em nós

Como reles mortais que somos, às vezes, além de torcer maliciosamente por uma queda adversária, cometemos o pecado de depreciar os nossos


Por Juliana Netto

29/07/2021 às 07h00

“Olimpíadas, despertando o melhor em nós”, diz o slogan da Globo. Eu: torcendo para crianças de outros países caírem do skate.” Ao ver essa frase compartilhada por Alex Escobar após a final do skate em Tóquio, confesso que a vontade de ver Rayssa Leal conquistar a medalha era tanto que, realmente, cada manobra não encaixada pelas adversárias era festejada no meu quarto. Horas depois, estava eu novamente vibrando por um insucesso do japonês Kanoa Igarashi, que disputava a vaga na final do surf com Medina

Com sua pitada de humor ou não, o slogan da emissora brasileira convida à reflexão. Afinal, torcer genuinamente por um compatriota é algo que desperta uma emoção bonita de se ver. Descobrir centenas e centenas de histórias dos atletas, cada qual com sua superação particular, faz deles deuses, heróis e, ao mesmo tempo, humanos, gente como a gente. A tão jovem trajetória de Fadinha; a relação familiar maravilhosa entre o judoca Daniel Cargnin e sua família, tatuada na pele; o amor de Ítalo Ferreira por Baía Formosa, sua cidade natal, não deixada por ele mesmo com a fama são alguns dos casos brasileiros que mexem com nossos sentimentos mais profundos. E ainda são milhares os casos de estrangeiros, como o do australiano Owen Wright, que caiu da prancha, perdeu a memória, desaprendeu completamente a nadar e, de um dia para o outro, restabeleceu a consciência e sua sinergia com o mar. Para quem gosta de histórias, não há evento mais rico do que uma Olimpíada.

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Mas, como reles mortais que somos, às vezes, além de torcer gaitamente por uma queda adversária, cometemos o pecado de depreciar os nossos. Em transmissões que vendem o pódio como motivo único de glória, não chegar nele é visto como fracasso por uma nação que, em sua maioria, pouco acompanha o dia a dia das tantas modalidades. E, mea-culpa seja feita, por uma imprensa também que pouco espaço dá aos atletas.

Claro que, no caso particular da juiz-forana Larissa Oliveira, em 10º lugar no revezamento 4×200 ontem, por exemplo, a colocação possa ser depreciada – embora ser mundialmente o 10º melhor na profissão seja um feito que poucos ostentam. O caminho foi longo e árduo das escolinhas iniciais em JF, passando por Pinheiros, Flamengo, clube que defende atualmente, até chegar a Tóquio.

Neste caso, o melhor de Larissa – Thiagus, Bia, Gabrielzinho ou seja lá qual brasileiro – pode culminar no meu pior: torcer com bairrismo, patriotismo e, às vezes, com um pouquinho de maldade no coração para “quedas” dos adversários. Tudo dentro do espiríto olímpico, claro.

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