As três mulheres que inspiram meus passos

Andar com o corpo ereto é um ato que pode parecer simples, mas, para mim, tem um significado muito forte


Por Regina Campos

14/07/2019 às 07h00- Atualizada 24/07/2019 às 09h52

Daqui a três dias, inicio a caminhada ao lado de dezenas de romeiros rumo a Aparecida valorizando cada passo, sempre agradecendo por poder pisar firme no chão. Andar com o corpo ereto é um ato que pode parecer simples, mas, para mim, tem um significado muito forte. Desde os meus 14 anos, convivo com a dor de quem não consegue se locomover sozinho. Minha avó Celme, após um AVC, viveu seus últimos 15 anos em uma cadeira de rodas. Logo que ela se foi, minha irmã Eliane começou a apresentar os primeiros sinais de fraqueza nas pernas em decorrência da esclerose múltipla, e minhas mãos continuaram guiando uma cadeira de rodas. Eliane se foi no último dia 5 de maio, mas nossa família continua oferecendo o braço para que Fernanda, nossa irmã mais nova, possa caminhar. Ela também tem o diagnóstico da doença neurológica que ataca o sistema nervoso central e provoca lesões cerebrais e medulares.

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A diferença de tempo entre a manifestação da esclerose múltipla em uma para a outra permitiu que a mais nova seguisse um destino diferente. As pernas continuam sem firmeza, é preciso um apoio para caminhar, mas a doença está sob controle há cinco anos, desde que Fernanda optou por um tratamento alternativo. Com o quadro estabilizado, ela recuperou a vida que tinha desistido de ter e conquistou o coração de um ciclista. Wandinho se apaixonou pela mulher que ela é, uma pessoa determinada de andar cambaleante, e ofereceu o seu braço e o banco traseiro de uma bicicleta tandem para que os dois pudessem percorrer os caminhos que quisessem desbravar.

“Tinha me esquecido da sensação maravilhosa do vento batendo no rosto”, me disse Fernanda ao voltar emocionada do primeiro passeio sob duas rodas com o namorado. De lá pra cá, a bicicleta ganhou uma potente roda elétrica para poder ir mais longe, minha irmã ganhou uma vida que ela não imaginava mais que pudesse sonhar, e todos nós, família e amigos do casal, ganhamos um belo exemplo de superação e amor.

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Essas três mulheres tão importantes na minha vida me inspiram e me fazem querer dar todos os passos que elas não puderam dar. Por elas, eu vou seguir sempre com os pés firmes no chão e com o coração agradecido por tudo que elas me ensinaram. Celme, Eliane e Fernanda estavam comigo em pensamento quando cheguei para o meu primeiro treino com os romeiros (o último do grupo, depois de um ano de treinos mensais), no último dia 7.

Saímos da praça do Bairro Bom Pastor pouco após as seis da manhã e seguimos pela Rio Branco, Santa Luzia, Avenida Deusdedith Salgado até uma estrada de terra (do Vagão) que nos levaria à MG-353, próximo à Fazenda São Mateus. Fomos e voltamos pelo mesmo percurso, num total de 30km , mais de sete horas de caminhada. Foi o meu recorde, jamais tinha feito um percurso tão longo e, ao mesmo tempo, o mais prazeroso.

Os rostos, até então desconhecidos para mim, logo se revelaram generosos e confiantes e aplacaram minha ansiedade. Vi em muitos deles a mesma fortaleza das minhas três inspirações. Caminhei ao lado de alguns, observei a perseverança de outros e admirei a fé de todos. Ao final, minha alegria era tanta que as pernas nem se lembraram de reclamar, pelo contrário, acordei no dia seguinte com muita certeza de que viverei dias inesquecíveis ao lado dessas pessoas.

Por tudo isso, só agradeço a todos os leitores que têm me enviado mensagens de incentivo (vocês não imaginam a mágica que elas provocam no meu coração!)Aos amigos e familiares pelo apoio incondicional e paciência por eu só querer falar sobre treinos para a caminhada. Aos profissionais de saúde e da área do esporte por correrem contra o relógio para preparar meu corpo para este desafio. Aos peregrinos que me receberam com todo carinho. Ao Bahamas e Plasc por abraçarem esta ideia e possibilitarem que ela saísse da minha mente inquieta e pudesse ser colocada em prática. E a todos os companheiros de trabalho do Grupo Solar de Comunicação por manterem acesa minha paixão adolescente pelo bom jornalismo, mesmo após 33 anos exercendo este ofício. Nossa profissão é transformadora, podemos nos orgulhar disso.

A partir do dia 17, quando já estarei trilhando o caminho da fé, nosso encontro neste espaço será diário (sempre que a tecnologia permitir). Nossa aventura também poderá ser acompanhada pelas redes sociais da Tribuna e Rádio CBN/Juiz de Fora.

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E como diz Gonzaguinha, um dos meus compositores favoritos: “Fé na vida, fé no homem, fé no que virá/Nós podemos tudo, nós podemos mais/Vamos lá fazer o que será”.

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Fotos do último treino dos romeiros da Caminhada da Fé (Arquivo Pessoal)

Tópicos: fé na estrada

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