Tombei

Cair quando adulto é ir da vergonha ao riso em segundos. Ninguém está livre de quedas, o negócio é saber como reagir


Por Renan Ribeiro

05/08/2022 às 07h00

Conheço o terreno há alguns anos. Sei onde ficam alguns leves desníveis, evito os buracos, mesmo que na maior parte do trajeto, o piso seja bem reto, até mesmo na parte em que o chão é de terra batida. Uso o espaço para caminhar, gosto do movimento, da paisagem, do clima da praça. Redobro a atenção quando passo por crianças em bicicletas, patinetes, patins e skates. Já busquei bolas de futebol e vôlei que escaparam à proteção das telas da quadra. Só nunca tinha caído lá antes.

Quando era eu a criança vestindo patins ou correndo por aí, os joelhos viviam em carne viva. Os tombos faziam parte da brincadeira. Era bater a mão na roupa para tirar a poeira e sair correndo de novo. Exceto no dia em que registrei a pior queda da minha vida, até agora. Resolvi descer uma leve ladeira de roller. Enquanto estava com os patins de lado, como se descesse degraus, ficou tudo bem. Até que as rodas engrenaram, peguei velocidade e havia um buraco no meio do caminho. Raspei o rosto no asfalto.

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O pior, no entanto, foi a reação do público, já que no campo de terra ao lado da ladeira ocorria uma partida de futebol com plateia. Eu fecho os olhos e ainda lembro dos gritos de “Oê” vindos de lá. Eu tinha me esquecido de como a gente se sente quando cai dessa forma.

Voltando à caminhada, não tinha muito mistério. Um pé depois do outro, depois do outro. Voltas e voltas até o suor cair e o tempo do exercício terminar. As pernas cismaram de me desobedecer, se embolaram e me levaram ao encontro do chão. Mais precisamente de uma parte do piso que tinha pedrinhas. A palma da mão direita, a que eu uso para praticamente tudo, ficou toda ralada. Levantei, e o sangue escorreu pela mão. Doeu. Só não doeu mais que meu orgulho. A vergonha que me deu do meu próprio tombo.

Lavei as mãos e, só de raiva, concluí a caminhada. A mão ardia, eu evitava fazer movimentos com ela, mas na verdade, depois de alguns minutos, eu senti vontade de rir da forma absurda como caí. A pele ainda ferida fez com que eu andasse com a mão enfaixada para evitar o nervoso do contato com superfícies ou até mesmo que algo viesse a causar alguma infecção  ou prejudicasse a cicatrização. Contar o que ocorreu para quem me perguntava o motivo da mão coberta reativava a vergonha e a vontade de rir.

O piloto automático funciona bem, mas os tombos ensinam que é preciso mais atenção a cada passo. Não estamos livres das quedas em nenhuma etapa da vida, elas só se tornam mais dolorosas e mais perigosas com o passar dos anos. Para os distraídos e desastrados, assim como eu, fica o alerta: o que há no caminho é interessante e deve ser observado, mas estar atento ao movimento é fundamental.

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