Somos, todos e todas, Jomara


Por Daniela Arbex

22/07/2018 às 07h00

A prisão do assassino de Jomara, nove anos depois de a vendedora ter sido esfaqueada pelo marido na frente das filhas, é um lampejo de esperança em um país onde a maioria dos autores de crimes contra mulheres é investigado e julgado por homens. Nunca me esqueci do dia em que o comerciante Marcos André Canavellas Pereira, na ocasião com 41 anos, saiu andando livremente da Delegacia Regional de Polícia Civil, em Juiz de Fora, após ter desferido pelo menos seis golpes de faca ou canivete contra a esposa de 38 anos que implorou pela sua vida na residência da Avenida Olegário Maciel. A impunidade em relação ao autor feriu de morte a família de Jomara e a todas nós, mulheres. Basta que nos coloquemos no lugar da vítima e das filhas do casal, que na época tinham 10 e 12 anos, para entender o tamanho da dor causada pela separação brutal e pela ausência de justiça.

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Na ocasião do crime, ocorrido no dia 29 de dezembro de 2009 – às vésperas do Réveillon -, as meninas se preparavam para viajar de férias com a mãe e chegaram a vê-la ensanguentada no corredor de acesso da casa onde moravam. Uma das perfurações atingiu o pulmão de Jomara. A outra, o coração. Não houve tempo para salvá-la, em função da hemorragia que sofreu. O ato covarde de Canavellas atingiu em cheio as irmãs de Jomara e sua mãe, que morreu, aos 81 anos, sem ver o ex-genro cumprir nem um dia de prisão. Era como se a vida de Jomara não tivesse valido nada. O desprezo em relação ao crime as consumiu pela dor. Elas também foram obrigadas a assistir o autor manchar a memória da vendedora. Ele acusava uma morta de tê-lo traído com um amigo. O homem usou uma suspeita não confirmada para tentar justificar o crime como “passional”. Há meses, Jomara tentava se separar do comerciante que não aceitava o fim da relação, passando a agredir a mulher. Plenamente capaz de responder por seus atos, conforme avaliação da perícia forense, Canavellas, que de declarou usuário de drogas, seguiu em frente. A família de Jomara não.

A jornalista Sandra Zanella, que cobriu a maior parte do caso, lembrou que, na data em que Jomara foi assassinada, ainda não havia o reconhecimento de feminicídio, a perseguição e morte intencional de mulheres, agora classificado como um crime hediondo no Brasil. Mas a Lei Maria da Penha estava em vigor, o que agrava o crime praticado em razão de violência doméstica. No dia do julgamento, ocorrido na última terça-feira (17), eu, Sandrinha, as irmãs de Jomara, as filhas dela e representantes de coletivos feministas – que se fizerem fortemente presentes -, aguardávamos apreensivas o resultado da sessão que, mais uma vez, seria presidida por um homem.

Vestindo a toga, o juiz do Tribunal do Júri, Paulo Tristão, transformou-se no retrato de um tempo novo, no qual a mulher não é vista como objeto ou com menosprezo, mas com o respeito que cabe a todo ser humano. “Antigamente, nos cantões de Minas Gerais, se aceitava a absolvição na legítima defesa da honra, quando a mulher traía o marido. O contrário, no entanto, nem sempre acontecia. Mas as mulheres traíam, os maridos matavam e os jurados absolviam. Há tempos isso não acontece, nem nos mais longínquos destinos”, relatou Paulo Tristão, após a condenação do autor a 22 anos de prisão. “Não é aceitável o marido matar a mulher e nem o contrário. Traição não é caracterizador de uma violenta emoção. Até porque, no caso de hoje (17), eles já estavam separados de fato, e a intenção de Jomara de se separar judicialmente já tinha sido manifestada. Eles sequer estavam morando juntos. O que o Ministério Público colocou e foi aceito é que foi um ato de possessividade, machismo”, acrescentou Paulo Tristão.

Quando a Justiça cumpre o seu papel, como fez Paulo Tristão, a sociedade se fortalece. Tristão colocou o direito no lugar que ele deve estar: acima das questões de gênero. Somos, todos e todas, Jomara!

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