O muro que nos separa


Por Daniela Arbex

02/08/2015 às 07h00

Quase todos os dias ao sair de casa para levar meu filho a escola, uma cena se repete. Na entrada do condomínio onde moro, crianças soltam pipa ou jogam bola no pequeno e único espaço gramado daquela região, exatamente no terreno que faz divisa entre dois Brasis. No país de cima há playground, segurança com ronda 24 horas, cerca elétrica, jardins coloridos e transporte privado. No país de baixo não existem áreas de lazer. As ruas são cinzas e esburacadas, não há calçadas para pedestres, o mato é alto e as casas, quase todas, inacabadas. Filhos de um país partido ao meio, eles não se conhecem. Os meninos do Brasil de cima só miram os garotos descalços pelo vidro do carro.

As duas “nações” são separadas por um muro. O simbolismo do muro é mais poderoso do que a barreira que ele produz. Erguido com cimento e tijolos, ele é apenas a parte mais visível da desigualdade. Diz muito sobre os que vivem do lado de dentro e os que simplesmente existem do lado de fora. Estar dentro significa ter a senha para o acesso a bens de consumo, a saúde de qualidade, a educação superior e a um posto de trabalho em condições consideradas dignas. Estar fora pode ser sinônimo de analfabetismo, filas de espera nas unidades de pronto atendimento, subemprego e direitos violados. Historicamente, é como se houvessem lugares predeterminados, os quais devem ser ocupados sempre do mesmo jeito. Mobilidade social não é bem-vinda, pois é vista como ameaça.

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Pior do que o muro externo é a muralha que construímos dentro de nós. Ao nos resguardar dos brasileiros, nos transformamos em estrangeiros dentro de nosso país. Todos passam a ser sinônimo de alguns. O resto são os vizinhos que tememos e insistimos em desconhecer. Esses são parte de uma paisagem que nos incomoda e, por isso mesmo, a nossa vista não alcança. Assim como os carros que dirigimos, muitos de nós tem o olhar blindado para o outro. Ignorar a violência instalada em lugares do Brasil que a gente quer cada vez mais longe não ajuda a diminui-la. Fingir não ver é apenas uma estratégia egoísta de sobrevivência. Se não aprendermos a construir pontes no lugar de muros, ficaremos presos no abismo que a nossa indiferença criou.

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