A maior de todas as artes: a de criar a si mesmo

Não podemos ficar “birutas” diante da vida , devemos, sim,  conduzir  a vida como a  biruta.


Por Cristina Coronha

04/06/2018 às 08h30- Atualizada 04/06/2018 às 09h19

Vocês  já viram um artista plástico trabalhando?

No momento de fazer uma escultura, por exemplo, ele cria a imagem na mente, através da habilidade de representação mental e transporte visual, e concilia materiais, técnicas, condições ambientais, conhecimentos e condições próprias para que o ideal se cumpra.

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É preciso preparo, educação da mente e da vontade, afastar as prováveis dificuldades para que a obra não se torne defeituosa ou incompleta.

O domínio na execução é resultado de  conhecimento, de condições racionais, planejadas e organizadas; e quando este domínio está sob a égide do querer e do sentir, a obra adquire vida e maior beleza.

O artista não trabalha apenas com a mente, porque sabe que a sensibilidade outorga à conquista um valor honesto e puro. Quando se quer com o coração, se quer com a própria vida, já ensinava o educador Pecotche. Doses de amor e sensibilidade infundem mais respeito e elevação moral à arte, seja ela de que natureza for.

Neste feriado estava em casa com minha filha, seu  noivo e meu marido. Uma oportunidade muito esperada por todos, devido ao corre corre diário. A conversa estava ótima, o ambiente maravilhoso, todos realmente envolvidos “de corpo e alma” na vontade de dividir partes da vida e dos sonhos. Algumas horas depois surgiu em minha mente um pensamento de ligar para minha irmã. Eu lembrei – de repente – que ela iria viajar na semana seguinte. Não sei de onde veio aquela sugestão, sequer falávamos sobre aquilo, entretanto peguei o celular e liguei. Minha atitude foi suficiente para alterar o ambiente de alegria e comunhão que havíamos constituído porque  minutos depois, ainda no telefone, observei minha filha e noivo pegarem, também, nos celulares para atualizar suas mensagens e meu marido, diante do silêncio e da mudança brusca de ambiente, ir  dormir. O pensamento de “pegar no celular” passou da minha mente para a dos outros alterando totalmente aquele espaço de encontro.

Ligar para a irmã é coisa muito boa, mas não era hora! Não havia urgência e nem sentido para aquele telefonema naquele momento…

No dia seguinte, as colocações e reflexões da filha e do marido me fizeram lembrar do valor que sempre dou a esses instantes, mas que não demonstrei devido ao uso inadequado do celular. Aquela constatação me deixou chateada comigo mesma.

Minha  mente, com as faculdades da inteligência, recordou do meu propósito, refletiu para entender o porquê de atender àquele pensamento, razoou sobre o que era certo e errado, observou a repercussão de um simples gesto no ambiente social, imaginou como a falta de unidade entre o que se fala e o que se faz pode gerar no ambiente familiar, pensou na necessidade de uma atitude mais consciente, lembrou de outras atitudes similares…

Enquanto a mente analisava, o coração, “apertado”, sofria, e foi essa dor que me fez querer mudar e não os razoamentos da inteligência! Foram os motivos que a sensibilidade trouxe, acompanhados da sensação de tristeza, que despertaram a vontade de fazer melhor, diferente.

Tracei um propósito íntimo de restringir o uso do celular dentro da minha casa. A sensibilidade auxiliou no entendimento desta realidade.

No dia seguinte a cena se repetiu pela manhã, com meu filho e marido e eu consegui ficar consciente, ou seja, atenta  ao propósito, nem olhei o celular, planejei  atualizar mensagens em outro horário. A recordação do sentimento de cuidado e amor, o querer ser exemplo, a vontade de ter meus filhos por perto mais tempo, sustentaram minha decisão e me tornaram valente.

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É preciso fazer da mente uma fortaleza, defendê-la dos grandes inimigos que são os  pensamentos: entidades que têm vida própria porque surgem no espaço mental induzindo o homem a atender seu apetite psíquico, nem sempre adequado e positivo.

A fortaleza a que me refiro é o estado de atenção, é a manutenção do curso, no norte que determinamos para nós mesmos, para não ficarmos “birutas” diante de tantas informações\sugestões\convites\ameaças.

Não podemos ficar “birutas” diante da vida, devemos, sim, conduzir  a vida com a biruta – mecanismo constituído por um cone de tecido com duas aberturas, usado para indicar o sentido de deslocamento e velocidade do vento. Se quero ficar “inteira” na convivência com os demais devo saber que direção  seguir e evitar as turbulências da inconstância e da irregularidade. Acessar a “biruta” interna, quer dizer, saber com clareza onde e quando quero ir.

Essa é a maior e mais difícil de todas as artes: a de criar a si mesmo, modelando  com as próprias mãos uma obra de beleza, valor e verdadeiro  significado humano.

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