No hay banda


Por Júlia Pessôa

27/04/2019 às 17h42

Despertador. Nem abrimos os olhos, e o suposto silêncio dos nossos sonos acaba assim, abruptamente, com sons eletrônicos desenvolvidos especialmente para nos retirarem do repouso. Em algum dos muitos cantos da nossa mente, alguém começa a sussurrar o que precisamos fazer no dia que mal se anunciou. Tudo ao passo que nossos dedos, que acabaram de deslizar sobre a tela para desativar o comando que nos tirou do nosso descanso de mais uma jornada igual à que está prestes a se iniciar. Não saímos ilesos. Abrimos as notícias, as redes sociais, vemos as mensagens que alguém (sempre tem alguém) mandou durante a madrugada. Desde o primeiro bipe, nada mais é quieto, mil vozes e sons vão se sobrepondo e ocupando senão também nossos ouvidos, nossas cabeças.

A rua é tudo, menos silêncio. O carro que grita porque está parado em um engarrafamento para estridentemente em uma freada brusca, e nem me deixe começar a falar das motos. O papo da esquina, o alto-falante um tanto provinciano (de qualquer cidade) anunciando promoção de um sei-lá-o-quê que pode ser desde almoço a automóveis com taxas imperdíveis. Os loucos e loucas de toda cidade, falando ou gritando coisas que nem sempre entendemos, e que quase ninguém para para ouvir, mas invariavelmente escutamos. Nós, em nossas próprias loucuras, falando sozinhos, narrando o que vamos processando muito inarticuladamente nas caixolas, listando o que ainda precisamos fazer ou balbuciando qualquer coisa para nossa única companhia inevitável: nós mesmos – não vão me dizer que estou só nessa! E ainda que usemos os fones, como isolante social e sonoro, nada mais sossega, silencia, é uma sobreposição de sons. (E o celular não para nunca de vibrar).

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Eu amo certos sons, não importa a natureza deles. O barulho que a cafeteira italiana faz quando a água está quente o suficiente para verter-se em café. A voz das pessoas que eu amo. Algumas gargalhadas – não todas, admito -, daquelas que a gente ri junto. Tantas, tantas músicas, que jamais conseguiria listar aqui. O ronronar incrivelmente alto da minha gata. O “hummmmmm” que a gente solta durante um abraço muito esperado. O clichê absoluto do som da chuva durante um merecido cochilo. As palavras deliciosamente erradas que os bebês dizem quando aprendem a falar. O barulho da chave rodando na porta anunciando que cheguei em casa. Meus amigos cantando ou inventando programas de rádio imaginários em áudios do WhatsApp. A entonação inconfundível do “oi, filha” da minha mãe.

Mas a vida é tão atropelada, tão sinfônica e tão barulhenta, que acho que gente tem se esquecido do quão restaurador é o silên…

 

 

 

[susurrando] “silêncio”.

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