Coca Stevia


Por Júlia Pessôa

26/02/2017 às 07h00

Quando nascemos fomos programados para receber os enlatados que nos empurram dos USA sim. Mas mais do que isso, fomos criados e protegidos para conquistarmos o que a geração de nossos pais não teve a chance de alcançar. Foi assim com eles também, não se enganem. Nossos avós ralaram muito e com muito menos recursos para que nossos pais e mães tivessem uma vida melhor e mais confortável que a deles. É o ciclo da vida, que se renova a cada linhagem, a esperança de dias mais bacanas para os que estão chegando. Claro, não falo de quem nasceu em berço de ouro, tampouco de quem nem berço teve.

Falo de gente como eu, classe média, nem rica, nem pobre, mas certamente cheia de privilégios e regalias. Não, não é fácil ter que reconhecer que você, que tanto trabalha, que tanto se ferra, que tanto leva porrada na vida, que tanto tem os sonhos esmagados… Você, que nunca tem seu potencial reconhecido, que tem que enfrentar tanta gente babaca, que teve que batalhar sozinho por tudo que conseguiu… você, igualzinho a mim e tantas outras pessoas que reclamam todos os dias. Sim, meu bem, com todos estes percalços de #classemédiasofre – que sim, podem ser dolorosos -, somos favorecidos e criados para sermos a nossa melhor versão.

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O problema é que, não raramente, a redoma de privilégios que nos envolve, e que teimamos em não enxergar também, nos cega para a realidade do mundo. Daí tanta gente branca fazendo beicinho porque “acha que ouviu dizer que não pode usar turbante”: quero o brinquedo para mostrar aos coleguinhas, mesmo sem querer brincar ou sem saber como funciona. Por isso também tanto ego ferido porque a selfie cheia de filtros e com uma legenda descoladona teve “só 15 likes”; tanta gente que se revolta quando é criticada; tanto sorriso fake e papo superficial em nome de tentar ser amado e descolado a qualquer preço.

Vivemos a era em que não se sabe ouvir não. Em que “tem que falar com jeito” com o opressor sobre sua opressão, senão ele fica ofendido. Sim, na torre de regalias, tirar um bloquinho do topo, por menorzinho que seja, deixa estrutura a deixa mais baixa. Mas nem por isso deixamos de observar a maior parte da vida de cima.

No meu tempo de criança, o refri mais famoso do mundo era coisa de fim de semana: pro almoço de domingo, ou pro lanche do fim do dia, vendo Os Trapalhões. Ainda assim, era privilégio. Nesta época, Renato Russo ironizava a americanização de uma “Geração Coca-Cola”. Em pleno 2017, eu fico pensando o que diria da “Geração Coca Stevia” – que não, não diz respeito a uma faixa etária, mas a um tipo peculiar de gente, de tudo que é idade-: criada para ser melhor e para fazer bem, mas quando a gente conhece, não é lá grandes coisas.

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