Não é 2016


Por Júlia Pessôa

25/12/2016 às 07h00

Quando minha carinha voltar a aparecer na tela de seu computador ou nas páginas impressas da Tribuna, estaremos nos preparando para a despedida deste 2016, que, tal qual o 1968 de Zuenir, não parecia terminar – mas calma, falta pouco! Para muitos, será a quebra de grilhões de um ano horroroso, e a possibilidade de que novos ventos tragam bonanças. Desculpem-me pela rabugice, mas 2017 não promete muito.

Vejam bem, 2016 não foi apenas uma chinelada no traseiro, daquelas que a sola fica marcada em alto-relevo. Foi um duro golpe no estômago, quando a gente chega a perder o fôlego tamanha a dor e o susto do ataque. O Brasil está um caos absoluto, o ódio tomou conta do mundo todo, desastres impiedosos levaram inocentes, a violência é a língua oficial universal e os justiceiros, que estão na moda, não enxergam que só nos levam pra mais fundo no abismo. É perene a sensação de que ninguém aguenta mais levar tanta porrada. Concordo e compartilho do sentimento.

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Mas é muito fácil a gente responsabilizar 2016 por todas as mazelas que o ano trouxe. Sem querer culpar a vítima, algo com que nunca concordarei, se não acordarmos para o fato de que o homem é o lobo do homem, 2017 não será mais misericordioso que seu antecessor. Toda vez que milhões de pessoas, sabendo da farinha pouca, buscam seu pirão primeiro, a maior parte da humanidade passa fome. E passando fome, amigo, perde-se a cabeça, e aí está uma possível raiz de tudo quanto é treta neste mundo: desigualdade. Só que enquanto nosso pirãozinho está garantido, fazemos ouvidos de mercador para os pedidos de socorro do mundo – até para não enlouquecermos, compreendo. Só que 2017 não será melhor apenas porque o ano anterior acabou.

De novo, reitero: não estou dizendo que a culpa é nossa por um ano ser bom ou um lixo. Tampouco acredito que esforço, trabalho e dedicação são garantia de qualquer sucesso e/ou felicidade. Mas as bombas só vêm tirando o que resta de nossa humanidade, as disputas de poder só vêm dizimando nossos direitos, e os muros só liquidam qualquer chance de que haja empatia. Sem isto, “empatia”, sem ver o outro, vamos continuar voltando a 2016, por mais que tentemos sair, como na Caverna do Dragão. Se quisermos chegar a algum lugar melhor que o atual, temos que tentar fazer isto juntos, sem deixar ninguém para trás, nem mesmo a irritante Uni.

Por fatores que jamais poderemos controlar, como intempéries, pés-na-bunda, tragédias e doenças, 2017 pode ser tão ou mais duro quanto este ano – ou qualquer outro. Porém, se nos fecharmos em nossos mundinhos particulares, alheios a quem nos cerca, um desfecho será implacável, em meio a tantas incertezas: não vai ficar mais fácil.

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