A luz de Tieta


Por Júlia Pessôa

20/09/2015 às 07h00

Desde pequena, tenho certa fascinação por vilões. Meu personagem favorito dos Smurfs, hit dos anos 1980, não era a Smurfette, tampouco o Papai Smurf. Gostava era do Gargamel, não me pergunte a razão. Talvez porque os mocinhos e mocinhas são sempre uma caricatura de perfeição, algo que desde novos sabemos que não existe, ao percebermos nossas próprias derrapadas. Minha mãe até hoje conta que eu tinha o hábito de imitar o Gargamel: pegava soldadinhos e saía pisando sobre os homenzinhos, repetindo : “Vou esmagá-los! Esmagá-los!”, bordão clássico do bruxo.

Flashbacks à parte, neste mundo cada vez mais polarizado, as pessoas insistem, ainda, no maniqueísmo pueril entre bem e mal, como se fosse possível ser só um. Reconhecer a complexidade de nossa natureza, inclusive os tantos elementos maus dela, nos torna mais humanos, reais e, mais importante, passíveis de mudança para melhor. Por isso mesmo, além de vilões, sempre gostei de anti-heróis, que têm essa dualidade: Macunaíma, Don Corleone (pai e filho, qualquer Bette Davis, Walter White, Dexter, Scarlett O’Hara, e entre tantos e tantas, a made in Brazil, Tieta. Tieta que chegou rica e dadivosa no Agreste de onde foi expulsa, pegou o sobrinho e calou a boca de uma irmã falsiane e de uma sociedade hipócrita, conservadora e machista.

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Para a minha geração, a imagem de Tieta é indissociável de Betty Faria – desculpa, Jorge Amado! – que interpretou a personagem em novela homônima. Para nossa tristeza, a vida nunca imita a arte, e a Betty, no auge de seus 74 anos, solta essa semana : “Por que eu tenho de ser boazinha com a gorda e o cabeludo rastafári?”. E assim apagou-se a luz de Tieta-eta-eta.

Betty, não precisa ser boazinha, precisa é ter respeito com o corpo e a aparência dos outros. Não tem problema algum em você, como disse, ter batalhado “para não ser uma velha gorda”, ainda mais nessa sua profissão em que a aparência é selo de garantia para o currículo. O equívoco é julgar as que são como piores, menos importantes, menos. E saber que, ao contrário da Tieta que lhe deu aclamação, o retorno ao Agreste de quem é discriminado por palavras como as suas jamais é triunfal, mas, sim, marcado por dor, exclusão e autoestima decadente.

Fosse a vida novela, e a Tieta interpretada por uma atriz que tivesse a mente aberta, progressista e cheia de compaixão com as pessoas como a da personagem, não sei quem faria o papel. Betty? Não faria.

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