Correnteza


Por Júlia Pessôa

20/03/2016 às 07h00

Por não saber nadar, minha mãe sempre fez de tudo para que eu e meu irmão aprendêssemos muito cedo. Assim, desde bem pequenos, nunca passamos aperto em torno de piscinas ou dentro delas, a não ser por caldos ocasionais e propositais de primos mais velhos ou tios fanfarrões. Mas sempre houve o mar. O mar, que respeita a proficiência de ninguém em qualquer modalidade de nado, que desconsidera os anos de praia e age à revelia do bem-estar e da segurança de quem o cerca. O mar, que reverencia somente a si mesmo, e obedece apenas às leis que regem seu próprio curso, rebelando-se de tempos em tempos, sob ordens exclusivas de sua vontade. Assim sendo, nunca adiantou que eu soubesse nadar desde os 5. Quando a água em que se dá braçadas é salgada, há sempre a possibilidade de tomar um caixote, como os muitos que tomei ao longo da vida – mas nem por isso deixei de pegar meus jacarés.

Ainda hoje, quando vou tomar banho de Atlântico fico feito escoteira, sempre alerta, porque nunca se sabe a hora em que uma correnteza mais forte pode me arrastar para um lugar perigoso ou, no mínimo, para onde eu não queira ir. Assim, apesar de nunca ter temido a maré, mesmo quando mais caudalosa, sempre respeitei a legitimidade das bandeiras vermelhas, e quando o mar não estava pra peixe, digo, pra gente, deixava-o para os salva-vidas, bombeiros e outras pessoas aptas a enfrentar tanta turbulência, até que fosse seguro novamente. Eu, exímia nadadora de fim de semana e férias, observava da areia, porque era onde eu podia garantir que agiria sob os efeitos da minha vontade, não a da correnteza.

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Se nunca temi o mar, o mesmo não posso dizer do momento político que vivemos, tão revolto quanto a pior das ressacas – talvez até um impiedoso tsunami. Vejo que as ondas vão e voltam com cada vez mais força, destruindo, nos dois sentidos, tudo que já houve de paisagem. Sinto o esgoto que imprudente e inevitavelmente deságua no oceano, sendo espalhado por todos os lados, e quanto mais a maré se embravece, mais temos uma única certeza: vai feder. E assisto, incrédula, a essa gente que acha que tem algum poder sobre o oceano e se atira cegamente, mesmo em águas impedidas ao banho, hipnotizados por sabe-se lá qual canto da sereia e cedendo, sem saber, aos caprichos de uma correnteza que só considera seus próprios impulsos.

Sempre que vejo a revolta cheia de clichês alienados, de ódio e de discursos prontos e vazios dos “cientistas políticos” de Facebook no Tribunal Eleitoral da Internet, balanço a cabeça em negação. Pouco depois, penso a mesmíssima coisa que me ocorre quando vejo banhistas mergulhando cegamente, alheios ao subir da maré : “Cuidado com seu desejo de se entregar à correnteza. Você não tem a menor ideia de para onde ela vai lhe carregar.”

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