Pelo direito aos desencontros


Por Júlia Pessôa

19/07/2015 às 07h00

Já disse Vinícius de Moraes: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.” Ao passo que nos tornamos adultos, os desencontros passam, inevitavelmente, a fazer parte da rotina: festas de família a que não podemos comparecer porque estamos trabalhando; tanta gente querida que mora longe; a cervejinha prometida há meses que sempre estamos cansados demais para, de fato, marcar- quanto mais comparecer!

De certa forma, a vida de gente grande passa, necessariamente, pelo processo de aprendermos a ser furões, queiramos ou não. E tudo bem – ou pelo menos assim deveria ser.

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Seria tudo bem simples, não fosse por uma espécie que tende a atacar em diversos ambientes sociais: os forçadores de amizade. São predadores ágeis e perspicazes, que costumam atuar em momentos de deslize de sua presa. Uma das maneiras pelo qual o bote ocorre é quando a vítima deixa escapar algum comentário passageiro, que deveria se autoencerrar, mas o forçador, rápido e rasteiro, dá um jeito de prolongar o assunto, ilustrando-o com casos compridos e cheio de personagens e desdobramentos que a presa, aquela que iniciou o assunto, desconhece.

O ataque também pode se dar por meio de piadinhas de tiozão repetidas em série na tentativa de estabelecer contato, ou, ainda, por gatilhos para assunto disfarçados de elogios: “Que linda blusa! Onde você comprou?” “Na loja X, obrigada”, “Ah, amo a loja X, comprei uma calça lá outro dia, mas tive que trocar porque….”. E lá se vai meia hora de falação vazia sobre a loja X.  Há diversos outros tipos de bote catalogados, e você certamente já sofreu algum – Não se preocupe, eles não matam!

Brincadeiras, exageros e rabugices à parte, acho que o o problema em forçar uma amizade com outra pessoa é que normalmente isso só cria o efeito contrário. Sou sim, a favor, de mantermos coração e mente eternamente abertos para qualquer tipo de relação e sentimento que sejam positivos: é sempre assim que surgem as mais gratas surpresas. Mas não adianta tentar entrar goela abaixo pela vida de alguém. Normalmente não funciona, e por isso mesmo, machuca.

No fim das contas, o que transforma um estranho em amigo é, como Vinícius disse, a “arte do encontro”. E arte não se explica, não tem fórmula, não tem tempo ideal para ser criada, não tem manual. E também não se força.

Que a gente se permita, de vez em quando, viver os desencontros. É a melhor maneira de garantir que os encontros sejam obras-primas.

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