Brasil, país da imunidade


Por Júlia Pessôa

18/10/2020 às 07h00

Não se anime tanto. Já faz tanto tempo desde que o mundo era mundo que a gente logo lê “Brasil” e “imunidade” na mesma sentença e vai se assanhando. Mas ainda não foi dessa vez que o jornalismo vai lavar a própria alma e a sua noticiando a vacina que os traseiros de quem tem algum juízo esperam ansiosamente – inclua-se aí o meu.

Eu sei que é cedíssimo para pensar em erradicação, mas se for para ser muito otimista e mentalizar o futuro,  é bom lembrar que doenças que aterrorizaram o mundo inteiro hoje são erradicadas de cada pedacinho de chão do planeta. É o caso da varíola, vírus que atormentou a humanidade e matou 300 milhões de pessoas só no século XX.

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Vi muito Zé Gotinha na infância antes de a poliomielite ser eliminada do Brasil em 1994. Sarampo, difteria, rubéola, todas banidas aqui da terrinha. Como o mundo está de cabeça pra baixo, sandices como o “movimento” antivacina, respaldado apenas pela ignorância, tornam iminente o risco de enfermidades como estas voltarem a ser o terror da saúde pública. Mas isso é papo para outro dia.

Existe algo a que o Brasil está completamente imune: as metáforas. Para quem vive de escrever, como eu, metáfora é uma mão na roda para fazer uma firulinha com o texto, deixá-lo mais charmoso, mais agradável à leitura. E não precisa ser nada rebuscado. Quando digo, por exemplo, que o Parque Halfeld fica no coração de Juiz de Fora, sabe-se que estou me referindo ao centrão da cidade, que não tem o órgão bombeador de sangue – ou qualquer outro. Eis a metáfora em ação.

Mas para descrever o Brasil atual, o teste para detecção de metáfora é negativo. Quando li a notícia sobre o mandado de busca e apreensão na casa do vice-líder do governo na sugestiva operação “Desvid-19”, que investiga um esquema de desvio de cerca de R$ 20 milhões para combate à Covid, toda possibilidade de fugir à literalidade da língua escafedeu-se. (Para manter a polidez da coluna, se você não sabe do que estou falando, convido a dar um “Google” nos termos “dinheiro” e “nádegas” – se bem que, depois da dica, nem precisa).

“Mas onde é que eu vou enfiar esse dinheiro?”, pensei no político perguntando, minutos antes da busca. Ou então, respondendo aos agentes da operação: “Dinheiro desviado? Só se eu tirar do …” opa! Poderia também ser recurso estilístico, mas não é: encheu o “olho que o sol não vê” de dinheiro. Daqui a pouco poderemos pensar, literalmente, em uma adaptação daquele dito popular que sela o destino do passarinho que come pedra, mas falando sobre a sorte de político que desvia verba: sabe os fundos que tem.

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