Espera (in)feliz


Por Júlia Pessôa

17/01/2016 às 07h00

Que me perdoe quem achou que se tratava de uma ode ou piada à mineira Espera Feliz, que desconheço, por sinal.  Falo hoje e tenho pensado na espera em seu pior sentido, aquele trem tedioso que só faz roubar nosso tempo: uma fila, um chá de cadeira, uma musiquinha no SAC por telefone, qualquer obstáculo que se imponha entre o presente e nosso objetivo final.

Ansiosa de berço, esperar é, para mim, feito tortura chinesa. Por isso leio spoiler de série, folheio as páginas finais dos livros, sigo feito psicopata minhas encomendas nos sites dos Correios. Fosse eu Saint-Exupéry, “O Pequeno Príncipe” fosse talvez “O Pequeno Pilha”, porque ao contrário de vossa microalteza, “se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde”, desde as três não começarei a ser feliz, mas sim a ser inquieta, desassossegada e maníaca do relógio. (Bonus track: Também não ia ter dessa de ser “eternamente responsável por aquilo que cativas”. Tamo junto, mas sai do meu pé!).

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Contraditoriamente, tenho a mania de “guardar” as coisas. Comprar uma roupa nova e esperar um dia importante para estrear. Ter um perfume do dia a dia e um perfume “para sair”. Copos de usar sempre e aqueles “de visita”. Talvez isso venha da educação que tive, de não desperdiçar as coisas, de aprender a dar valor ao que tenho, de não ver as posses, e, por consequencia, o mundo e as pessoas sob as lentes da descartabilidade, o que é bom sob este ponto de vista.

O problema é levar o objetivo a cabo, e passar a vida esperando por tais momentos especiais. Dia desses, notei que deixei uma trufa em cima da geladeira por dias. “Ah, vou comer no fim de semana, um docinho no café da manhã”, “Vou guardar pra sobremesa”, “Vou tomar com um cafezinho”. O tempo foi passando e quando constatei que a bicha me encarava há semanas, não pestanejei; abri e cravei-lhe uma dentada. Pior: era sabor panetone, com recheio de frutas cristalizadas. Um troço horrível, credo! Tanta espera em vão.

Esperar por um futuro melhor e mais bonito (e, neste caso, mais gostoso) pode ser um tiro no pé. Que a gente saiba fazer nosso hoje especial em doses pequenas e, quando possível, cavalares, pra podermos olhar pra trás e nos lembrarmos do passado com aquele sorriso bobo que não dá pra segurar na fila do banco. Até porque nem todos os especiais que tanto esperamos chegam, pelo simples fato de que, como Chico diria, muito antes de ser cercado por playboy na rua: “Amanhã, ninguém sabe”. Na geladeira da minha vida, o show do David Bowie sempre será a trufa que segue me encarando. E eu nunca poderei comer.

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