Seca-pimenteira


Por Júlia Pessôa

10/07/2016 às 07h00

Tem sempre um amigo, conhecido ou agregado (ou a pior de todas as raças, o semiconhecido forçador de amizade) que faz uma brincadeirinha de mau gosto, desmerecendo nossas conquistas e nossos sonhos. A pessoa desprezível que vai lhe dizer, quando você contar, feliz da vida, que vai à Cidade Luz pela primeira vez, que “Paris era bom, mas agora é uma cafonice só”. O mesmo tipo que desdenha, quando você conclui, com muito suor, uma pós, um mestrado ou mesmo um doutorado, grasnando que agora “título vale nada, todo mundo tem”. É uma espécie peculiar e catalogada pela Ciência: o “seca-pimenteira” ou Imbecilis recalcadum.

Seu habitat natural é qualquer ponto estratégico da mesa de bar, da casa de um amigo, do escritório, do ponto de ônibus ou qualquer ambiente de interação social. As presas preferidas são casais felizes (“duvido que ele não trai”), mulheres com autoestima elevada (“já vai a gorda comer”), profissionais bem-sucedidos (“de quem você tá puxando o saco pra conseguir isso?”), e quem quer que esboce indícios de satisfação ou sucesso vivendo na sua própria pele (“olha que bicha escandalosa!”, “olha que frouxo, a mulher decide tudo e ele ri!”, “que burra, ter filho tão jovem!”, “que velha pra ser mãe!”, “que amarga, não tem filho!”, “que pobre, férias em Cabo Frio!”, “que ostentação, férias na Europa!”… e uma lista infindável de venenos que vêm sendo categorizados aos poucos).

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O soro antiofídico contra tantas variedades de peçonha fortíssima nem sempre evita os males causados pelo ataque. Normalmente, a profilaxia é mais eficaz com o passar dos anos, pois a toxicidade do seca tende a ser mais agressiva às vítimas jovens, que muito se importam com a opinião alheia. Com a idade, as presas adquirem elevada consciência sobre a irrelevância absoluta acerca do que os outros pensam, sobretudo os perigosos seca-pimenteiras.

Recentemente, pesquisadores de ponta do Instituto Xibrown de Massachussets (IXM) fizeram descoberta reveladora sobre os seca-pimenteiras. Em estudo, os cientistas concluíram que o agente causador de ataques tão selvagens é a falta, nos predadores, de substância que facilmente reconhecem na vítima, registrada inicialmente pela equipe como Amormeus proprius. Não encontrando em si o que observa em suas vítimas potenciais, o seca as ataca, tentando sugar a maior quantidade possível até que as presas fiquem prostradas sem a energia primária do Amormeus proprius.

Os estudiosos descobriram, ainda, que é possível reverter o instinto violento dos Imbecilis recalcadum. O fator depende de que eles percebam a inutilidade dos botes, já que podem, eles próprios, produzir quantidades suficientes de Amormeus proprius, sem que seja necessário parasitar outros seres. Contudo, o instituto ainda não registrou, em seus laboratórios, qualquer seca-pimenteira que tenha sido capaz de priorizar suas atividades vitais em detrimento do ataque predatório às de outrem. As pesquisas seguem, dado o enorme crescimento da população mundial de Imbecilis recalcadum.

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