Banco de horas


Por Júlia Pessôa

05/11/2017 às 06h30

Tenho mania de inventar palavras, termos e conceitos. Talvez o mais clássico deles, que me acompanha há quase 20 anos, seja “xibrown”. “Xibrown” é tudo que eu não sei, um termo curinga. Posso dizer, por exemplo, “Ah, eu li esse artigo na página do Instituto Xibrown”, ou como substituto de onomatopeias como “bla bla bla” “nã nã nã”: “Aí ela me disse que ficou brava, e xibrown…”. Não sei exatamente quando começou esta bobeira, mas qualquer um que tenha convivido um pouco comigo desde os meus 17 anos certamente já foi acometido pelo “xibrownlismo”, goste ou não. Faço sem perceber, não consigo evitar.

Outras expressões e invenções acabaram se perdendo com o tempo. Como quando eu e minhas amigas Dida e Talita tentamos emplacar “galvão” como advérbio de intensidade, só porque uma de nós disse que um rango, certa vez, estava “bueno”- e estava muito. Não colou. Talvez só faça sentido ainda quando se diz “Galvão mala”, especificamente sobre o Bueno original, porque aí todo mundo entende. Sucessos e falhas à parte, sempre, desde criança, gostei de inventar minha versão das coisas: paródias, palavras, dublar filmes e desenhos com as minhas palavras… jamais saberei se por criatividade ou egocentrismo (Talvez pelos dois).

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Dia desses estava pensando que podia existir uma espécie de banco de horas de injustiças, tristezas e agruras. Funcionaria assim: tudo que nos aperta o coração em maior ou menor escala entraria nesta conta. Desde quando algum semiconhecido nos aluga com histórias infindáveis sobre as quais não queremos saber até os casos graves de saudade, perda, desilusão, arrependimento. Claro, seria tudo graduado. Como em um banco de horas convencional, poderíamos fazer a retirada do saldo, em forma de coisas que, ao contrário, nos realizam e nos fazem felizes, de um milkshake de Ovomaltine até ao emprego dos nossos sonhos, dependendo, claro, do acumulado do período.

Logo espalhei sobre o banco para as meninas, meu Inmetro particular para todas as criações bestas da minha louca cabeça. O êxito foi tanto que chegou-se a dizer que era meu melhor termo desde “xibrown”, honraria que, como expliquei, é de altíssima estirpe. Mas a euforia do sucesso durou pouco, só até eu me lembrar que Luciano Huck está sendo cogitado seriamente para a presidência do Brasil – para não mencionar o inominável, que rima e combina com “desamparo”. Só até ser obrigada a ver o exame urológico “presidencial” nos telejornais. Só até me lembrar que estão proibindo shows, embargando exposições, cancelando peças de teatro (afasta de mim este “cale-se!”). Aí me dei conta que meu banco de horas fantasioso é uma varada n’água: não tem banco no mundo capaz de cobrir e reverter o lastro de tanta desgraça. Pobres de nós.

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