Uma dor assim pungente, Aldir


Por Gabriel Ferreira Borges

05/05/2020 às 07h12

Quando Bellini, Vavá, Válter Marciano, Sabará, Livinho e Pinga levaram o Vasco da Gama ao título do Campeonato Carioca de 1956, Aldir Blanc tinha apenas dez anos e morava em Vila Isabel. Dois gols de Vavá sobre o Bangu levavam novamente para São Januário, após o tricampeonato rubro-negro entre 1953 e 1955, o título do Campeonato Carioca. Como mais tarde Aldir escrevera, daquela tarde, não esqueceu. “Fui para a Rua dos Artistas, me gripei, caí de cama. Doido, com 40 graus, encolhido dentro de um pijama, contraí essa doença: ser Vasco da Gama.” Pois nesta segunda-feira (4) a morte roubou das fileiras cruz-maltinas o mais ilustre dos letristas e cronistas aos seus 73 anos.

Por jogos do Vasco, Aldir esquecia inclusive o nosso rancor. E se injuriava com a preta rainha que fingia ser cruz-maltina doente, mas gritava, flagrantemente, “Mengo” naquele segundo gol de Zico – como bem escrevera, a alegria de quem está apaixonado é como a falsa euforia de um gol anulado. Se Vavá lhe fizera apaixonar-se pelo Vasco da Gama, Roberto Dinamite o encantara. Não o de 2008, a quem, inevitavelmente, apoiou. Mas o de 1974, que dera ao Rio de Janeiro o primeiro título nacional. Aldir era Vasco até mesmo se não mais Vasco da Gama existisse. Luis Fernando Veríssimo sentenciou: “É preciso lembrar sempre que o Vasco da Gama não é o Eurico Miranda: é sua história e suas glórias, incluindo o Aldir Blanc.”

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Tão bem como compunha o Cruz-Maltino, Aldir escrevia o Rio de Janeiro. O Brasil. O pior da nossa pátria mãe gentil, aliás. Três anos após o primeiro Brasileiro do Vasco da Gama, o letrista sonhou com a volta do irmão do Henfil e de tanta gente que partiu num rabo de foguete. Ao lado de João Bosco, Aldir compôs melhor do que qualquer um a angústia de um país assolado por uma Ditadura Militar perversa. Seria o suficiente para a sua biografia. E, certamente, não precisava do desgosto de passar por tudo novamente. Sabemos, ao menos, que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente a esperança.

Conheci as letras de Aldir antes mesmo de conhecê-lo, como, provavelmente, a maioria de minha geração. Diziam que não era mesmo a sua laia se expor em eventos que não fossem em biroscas, não tivessem amigos e não servissem cerveja. De se lamentar, apenas que Aldir Blanc não terá o gurufim que mereça em São Januário. Que nos inspiremos em Aldir para lutar e não precisar cantar pelo fim da anistia de nenhum dos nossos.

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