Entrevista – Murilo Bustamante
Detentor do Campeonato Mundial de Jiu-Jítsu de 1999 e de quatro títulos brasileiros, além de campeão do UFC 35, em 2002, o mestre Murilo Bustamante acumula experiências que lhe permitem um olhar amplo sobre as artes marciais. Sua trajetória no Ultimate Fighting Championship (UFC) e no extinto Pride Fighting Championship, do Japão, atribuiu-lhe a notoriedade nos octógonos diante dos grandes nomes que enfrentou, entre eles Dave Menne (EUA) e Ryuta Sakurai (Japão).
Hoje, aos 48 anos, Bustamante está aposentado do MMA e afirma estar “administrando suas lesões”, dedicando-se a acompanhar atletas em ascensão e fortalecendo a marca Brazilian Top Team (BTT), com unidades em todo o mundo. Em entrevista exclusiva à Tribuna, o mestre de jiu-jítsu analisa como o MMA vem se destacando durante os últimos anos e também como lida com críticas sobre a violência do esporte e os constantes escândalos relacionados a doping.
Tribuna – Que fatores levaram à popularização do MMA nos últimos anos?
Murilo Bustamante – O esporte se chamava vale-tudo no começo, e eu venho dessa época. Em 2003, levamos o “Fantástico”, da Globo, ao Japão, e fizeram uma matéria sobre o esporte, o que despertou o interesse do público. As pessoas começaram a entender que a luta era um esporte, que pagava muito bem, e os atletas estavam preocupados com o treinamento, com a filosofia das artes marciais. Não eram apenas arruaceiros, como se pensava antigamente. Com a vinda para o Brasil, essa febre pelo MMA tomou outras proporções através dos reality shows. Isso ajudou a popularizar o esporte.
– O UFC domina 90% do mercado mundial. Como você analisa a questão mercadológica que envolve o esporte?
– Todo monopólio é ruim para os atletas. Para mim, seria bom se tivéssemos outros eventos do tamanho do UFC. Na minha época, existia o Pride no Japão e o UFC nos Estados Unidos. Dividia o mercado e tinha emprego para todos os lutadores top. Hoje em dia, há uma oferta de lutadores muito grande e poucos eventos de grande porte. Temos o UFC, o Bellator e outros eventos médios pelo mundo: o One FC, na Ásia; o WSOF, nos Estados Unidos; Glory, na Europa; o Dream, no Japão. O UFC está muito à frente dos outros.
– Que diferenças notou quando foi para o Pride?
– Na época que fui, em 2003, o Pride era o maior evento do mundo, em termos financeiros e de audiência. Posteriormente, o UFC tomou a frente do mercado e acabou comprando o Pride. Eram dois eventos diferentes. Um era octógono, dentro da grade, e o outro era ringue, tipo boxe. E o público também era diferente. O público japonês entende bastante de arte marcial, está dentro da cultura, da formação da sociedade japonesa, muito ligado à arte marcial, ao judô, ao karatê, ao jiu-jítsu. Nem todo americano entende como esporte, mas como entretenimento. Vão para se divertir, são fãs do esporte, mas não entendem como deveriam. E o público japonês entende como técnica mesmo.
– E como você vê esta distinção entre entretenimento e técnica?
– No final, os dois são produtos. O lutador é vendido como um produto e, no final, recebe um cachê, como um artista. Vai galgando o ranking até ter a oportunidade de lutar por um cinturão. O objetivo de todo atleta é se tornar campeão. Comercialmente falando, o UFC alcançou um sucesso mundial, se espalhou pelo mundo. A China agora está se abrindo, os mercados mais virgens são China e Rússia, com muita força no mercado. A Rússia tem mais bons lutadores, a China também tem, mas faltam mais profissionais para investir.
– Como analisa o desempenho dos brasileiros no exterior?
– São muitos. Podemos citar todos os campeões, como José Aldo, Rafael dos Anjos, o Verdum, que é campeão interino; no Bellator tem o Pitbull. Estão surgindo muitos lutadores em vários locais do Brasil, que vão ter oportunidade ou estão começando agora. A mistura de raças, mais o jiu-jítsu brasileiro, deram um tempero ao judô. O brasileiro realmente se tornou um grande lutador. Difícil compreender um povo tão dócil como o do Brasil, que nunca se envolveu em uma guerra de verdade, mas em pequenas batalhas, relativamente pacífico, e que, na arte marcial, se tornou uma potência mundial. Por muitos anos foi o melhor e ainda está entre os melhores.
– Você chegou a mencionar a questão das guerras. Como lida com as críticas de que o MMA é um esporte violento?
– Tem gente que gosta, tem gente que não gosta. Quem não gosta e não entende, vai criticar. O MMA é uma luta com poucas lesões sérias. Tem um mediador ali que para a luta assim que o adversário não consegue se defender. É muito menos violento que o boxe. E o boxe é um esporte olímpico. É mais violento (o boxe) porque os golpes são desferidos, em sua maioria, na cabeça. Além disso, o lutador pode tomar vários lockdowns durante a luta. Tem contagem protetora. No MMA não tem contagem protetora. O lutador caiu, o outro vai em cima, se tomou um lockdown que não consegue se defender, o juiz interrompe a luta. No boxe isso não acontece. Tem 9 segundos para conseguir voltar à luta. Mas nem por isso eu acho o boxe um esporte violento, porque os atletas são preparados. Na verdade, o lutador do MMA é um superlutador, porque tem que dominar várias artes marciais. Está superpreparado para o que vai enfrentar.
– E você acha que os regulamentos das lutas são suficientes?
– Com certeza. O atleta faz vários exames médicos antes e depois da luta. A margem de risco à saúde é muito pouca. Se ele se machucar muito durante uma luta, ele toma uma suspensão e não poderá lutar por determinado período. Isso vai ajudá-lo a se recuperar. Ele vai estar completamente recuperado, e quando vier lutar novamente estará completamente curado da lesão.
– Um dos problemas que tem atormentado o MMA atualmente é o doping.
– Nenhum esporte profissional está livre de uso de drogas anabolizantes. Quando envolve dinheiro, há trapaça, infelizmente. Nenhum esporte está livre de trapaça quando envolve título mundial. Tem que ser policiado, fazer exames sérios e constantes, e punições severas. Quanto mais severas forem as punições, menor o índice de atletas que vão tentar burlar as regras. A gente sabe que nas Olimpíadas muitos atletas fazem uso de anabolizantes, e o investimento nestas drogas é muito maior do que o investimento no exame antidoping. O patrocínio é muito maior. É difícil, mas as medidas que estão tomando contra as drogas, as campanhas, estão no caminho certo. Quanto ao uso recreativo da droga por atletas, é lamentável. É um caso médico, o atleta tem que se tratar, se medicar, porque isso só vai piorar a performance dele.