Página final da ‘Enciclopédia’


Por Nathália Carvalho

08/05/2015 às 22h15- Atualizada 08/05/2015 às 22h19

Felipe Couri

Em sua última entrevista à Tribuna, em junho do ano passado, quando relembrava a experiência de ter presenciado a trágica final da Copa de 1950, Geraldo Magela Tavares descreveu a escalação completa daquele time, citando nome e clube de cada jogador. Aos 87 anos, com uma precisão invejável e conhecimento único, ele garantiu: “Minha memória é impecável, eu me lembro de tudo.” E não há quem ouse contestar. A morte do ex-radialista, ex-treinador e vice-presidente do Tupi representa a perda de uma verdadeira enciclopédia do esporte juiz-forano. Magela sofria de câncer nos ossos e estava internado há aproximadamente 20 dias. Seu corpo foi velado e será enterrado hoje, às 10h, no Cemitério Parque da Saudade.

Geraldo Magela dividia seu coração botafoguense com o Carijó. E havia espaço para muitas outras paixões, como carnaval e jornalismo. E todas elas, quase sempre, estão ligadas a Juiz de Fora, cidade que sempre defendeu, trabalhou e amou. Em homenagem àquele que talvez tenha sido o maior torcedor do Tupi, amigos e ex-colegas de trabalho ouvidos pela Tribuna e pela Rádio CBN lembraram de inúmeros momentos ao lado de Magela, com muita emoção.

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“Um bom contador de história”, define o jornalista e escritor Ailton Alves. “Tinha uma narração precisa e ao mesmo tempo florida, contava seus casos cheios de detalhes e com muito bom humor. Guardava consigo todos os bons e maus momentos carijós, e era generoso em suas recordações. Não se furtava em compartilhá-las com ninguém. Perdemos um bem coletivo. Eu dizia para ele: ‘Geraldo, você precisa ceder sua cabeça porque você não é eterno’, e ele ria. Eu o perdoo por ter treinado o Sport, mas não por não ter escrito um livro!”

Alves relembra que o ex-treinador esteve na inauguração do Estádio Salles Oliveira (1932) e que passou a vida inteira ligado ao Tupi. “Ele tinha uma visão muito lúcida ao analisar a relação de Juiz de Fora com o clube. Ele sempre alertou que o time era a marca maior da cidade.”

Futebol, jornalismo, carnaval e política

No esporte, Geraldo foi também jogador profissional, presidente da Liga de Futebol de Juiz de Fora e treinador dos times do Sport e Tupynambás e da Seleção Mineira, nas décadas de 1960 e 1970. Atuou por cerca de 20 anos no jornalismo, como comentarista esportivo e apresentador de TV. Nos anos 2000, coordenou o carnaval de Juiz de Fora, além de ter ocupado a Secretaria de Governo e Articulação Institucional da Prefeitura. Como repórter, atuou, em 1960, na cobertura nacional da então Rádio Industrial na eleição de Jânio Quadros, quando acompanhou o pleito direto de Belo Horizonte. Participou ainda de diversos momentos políticos em Juiz de Fora e ocupou vários cargos de importância para a cidade, sempre demonstrando interesse pelas questões locais.

“Um dia triste para o esporte da cidade”, comentou o jornalista e professor Márcio Guerra. “Ele era apaixonado pela Turunas do Riachuelo e foi um homem de rádio, sabia comentar como poucos. Tinha uma visão de futebol extraordinária, e sua paixão pelo Tupi não o impediu de treinar o Sport, clube onde seu pai o levava de barco para treinar quando criança. Vai deixar muita saudade de quem o conhecia, ouvia e tinha um carinho especial por ele. Um grande mestre”, relembra.

O radialista Maurício Menezes também relembrou a vida de Magela. “Ele comandou o Tupi contra a Seleção Brasileira, que estava nos preparativos para a Copa de 1966. O time fez dois gols, empatou em Caxambu e perdeu a outra partida. Ele também era técnico em uma das mais importantes partidas já disputadas pelo Galo até hoje, contra o Valério de Itabira, pelo Mineiro. O Tupi perdia de 3 a 1 em Juiz de Fora, e faltando 5 minutos para terminar a partida, numa reação histórica, o time virou para 4 a 3, levando ao delírio seus torcedores”, lembra.

O comandante do Fantasma do Mineirão

Geraldo Magela marcou a história do Tupi ao vencer, como treinador, na década de 1960, partidas contra os três grandes times mineiros – Cruzeiro, Atlético e América. O feito fez a equipe juiz-forana ficar conhecida como o “Fantasma do Mineirão”. O lateral-direito deste time, Manoel, lembra da disciplina implementada por Magela. “Ele era muito exigente, tinha que andar em cima da linha porque ele não perdoava. Quando jogávamos na capital, ele chamava as entrevistas, dominava a turma no papo. Tinha o dom da palavra”, diz.

O ex-jogador, ex-membro da comissão técnica carijó e amigo Augusto Clemente considerava Geraldo Magela seu segundo pai. “Ele se preocupava muito comigo. Além de ser um excelente técnico, ele se preocupava com nós, jogadores. Era um homem honesto, que orientava, corrigia, uma pessoa fora de série.” Outro ex-jogador que teve Geraldo como técnico é Ricardo Strade (Ricardo Uruguai), que lembra do perfil conciliador do comandante. “Ele estava sempre preocupado em estar atualizado e atento ao futebol, procurava sempre se modernizar. Tinha um pensamento de não trabalhar com o passado, pensava somente no presente e no futuro.”

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Luto oficial
O prefeito Bruno Siqueira decretou luto oficial de três dias no município de Juiz de Fora pelo falecimento do radialista. Segundo nota oficial, o decreto, que será publicado no Diário Oficial Eletrônico do Município de hoje, visa a ressaltar o grande trabalho desenvolvido por Magela na cidade.
Geraldo Magela deixa esposa, quatro filhos, oito netos e dois bisnetos. Ele completaria 88 anos no próximo dia 24. Por meio de assessoria, o Tupi informou que irá prestar homenagem ao vice-presidente nos próximos dias. O clube também decretou luto oficial de três dias.

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