Danos irreversíveis na saúde pública
A falta de políticas públicas para manutenção dos hospitais de pequeno e médio porte, os atrasos no repasse dos recursos e a defasagem da tabela do SUS têm levado muitos hospitais da região à interdição, já que não conseguem se adequar às exigências da Vigilância Sanitária. Essa situação, além de deixar a população desassistida, causa superlotação nas cidades polo, como Juiz de Fora. Na avaliação do especialista em saúde coletiva e gestão pública Ivan Chebli, o fechamento dessas instituições acarretará em danos irreversíveis à população. “Quem sobreviver, irá sobrecarregar os polos, prejudicando os atendimentos.”
Na Macrorregião Sudeste, pelo menos sete hospitais tiveram as internações e os centros cirúrgicos paralisados. As unidades estão localizadas nos municípios de Astolfo Dutra, Rio Novo, Volta Grande, Senador Firmino, Tombos, Laranjal e Fervedouro. Além deles, o Hospital de Misericórdia de Santos Dumont e o Hospital São José de Bicas ameaçam fechar as portas por falta de financiamento. “É inconcebível fechar um hospital como o de Santos Dumont, à margem da BR-040, onde há muitos acidentes. O seu fechamento significa a vinda de toda população das cidades vizinhas a Santos Dumont para Juiz de Fora, que não tem capacidade para atender essa demanda”, enfatiza Chebli. O provedor da unidade de Santos Dumont, Marcos Barreto, informou que está aguardando reunião com a Secretaria de Estado de Saúde (SES) para tentar restabelecer o convênio, que não foi renovado.
O hospital de São João Nepomuceno também está com dificuldades financeiras. “Desde janeiro, a instituição não recebe o recurso do Estado, no valor de R$ 100 mil mensais. Estamos sem perspectivas”, alegou o prefeito Célio Ferraz (PTB).
Ausência de formalização
O promotor de Defesa da Saúde, Rodrigo Barros, conta que, apesar de paralisados, muitos hospitais não foram oficialmente interditados. “A Vigilância Sanitária constatava situação de risco, mas simplesmente notificava, não abrindo interdição cautelar. Isso retira a capacidade da Subsecretaria Estadual de Vigilância em Saúde de avaliar a real situação. Por exemplo, o hospital de Senador Firmino estava com as atividades praticamente paralisadas. Entrei em contato com o coordenador médico do Samu Regional, e ele não sabia. Ou seja, as ambulâncias encaminhadas para a instituição não seriam atendidas.” O promotor ainda preocupa-se com a situação de unidades que foram habilitadas para o nível IV da Rede de Urgência e Emergência (RUE). “Muitas salas de estabilização não têm equipamentos e a capacidade estrutural adequada.” Outra irregularidade é o acúmulo de funções com cargas horárias incompatíveis por alguns médicos. “Em Presidente Bernardes, o plantonista do hospital também estava na escala do programa de Estratégia Saúde da Família no dia da nossa visita. Ou seja, ou os plantões ou as equipes da saúde da família estão desguarnecidas.”
O prefeito de Senador Firmino, Achilles de Oliveira (PT), explicou que a Prefeitura está atuando para que as adequações sejam realizadas. Ele afirmou que a unidade realiza muitos atendimentos da RUE sem estar conveniada. “Não fomos referenciados, não recebemos os incentivos, mas realizamos os atendimentos. Estamos tentando contornar essa situação e entrar na rede.” O prefeito de Tombos, Oscar Bastos (DEM), esclareceu que o hospital não tem recursos para pagar plantão médico 24 horas, uma exigência para o seu funcionamento. Já o prefeito de Laranjal, João Soares da Silva (PMDB), conta que a unidade do município, apesar das dificuldades financeiras, está solucionando os problemas apontados pela Vigilância, podendo as cirurgias e internações ser reativadas. O secretário de Saúde de Rio Novo, Lúcio Alvim, enfatizou que, se não houver um aporte do Estado, a Prefeitura não tem condições de manter o hospital. No entanto, o Pronto Atendimento tem absorvido a demanda. A Tribuna entrou em contato com as prefeituras de Astolfo Dutra, Volta Grande e Fervedouro, mas não obteve retorno. A SES também não respondeu.
Tabela SUS é o maior entrave
Sem o financiamento adequado e sem capacidade gerencial, os hospitais de pequeno e médio porte têm ficado à deriva, segundo o especialista em saúde coletiva e gestão pública Ivan Chebli. “O Estado criou programas de fomento para evitar a deteriorização da rede hospitalar. Mas os recursos são liberados a partir de metas. Os hospitais vêm, sistematicamente, não atingindo as metas.” Para o presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, deputado estadual Arlem Santiago (PTB), a defasagem da tabela do SUS é o principal fator para a falência dos hospitais. “Os procedimentos têm o custo maior do que o valor pago pelo SUS. Por exemplo, na realização de uma biópsia para detectar câncer de mama, o SUS paga R$ 68. Só a agulha, custa R$ 100. Uma criança que vai para a UTI custa R$ 1.600/dia. O SUS paga R$ 430.” Segundo o deputado, alguns itens não são reajustados há dez anos. “Em 2012, houve aumento de alguns procedimentos, mas ainda assim ficou abaixo do custo.” Com essa discrepância, as instituições de saúde têm acumulado grandes dívidas.
O Ministério da Saúde informou que “os valores no SUS são referência para o repasse dos procedimentos realizados e não representam o financiamento total dos hospitais. Cabe acrescentar que o Ministério tem buscado alternativas de financiamento, por meio de incentivos vinculados a metas de qualidade ou associados à função do serviço de saúde na Rede de Atenção à Saúde. Ainda assim, do total de 4.400 itens da tabela, mais de mil tiveram reajuste nos valores entre 2007 e 2014.”
O promotor de Defesa da Saúde, Rodrigo Barros, afirma que faltam políticas públicas para fortalecimento dos hospitais. “Com poucos leitos, essas unidades não têm produção para se manter e precisam de subvenções municipais cada vez maiores. Os municípios estão com grande dificuldade. Chega um ponto, como aconteceu em Rio Novo, em que o paciente chega à unidade e não tem médico. O paciente de Rio Novo, uma criança, veio a falecer. Você começa a ter uma simples porta sem a garantia efetiva do atendimento.”
Alternativa é vocacionar instituições
Para o especialista em saúde coletiva e gestão pública Ivan Chebli, a saída seria reorganizar os sistemas de saúde, manter os hospitais do interior e vocacioná-los. Já o deputado Arlem Santiago afirma que é preciso treinar os gestores e negociar as dívidas dos hospitais. No entanto, ele enfatiza que, sem consertar a tabela do SUS, nenhuma ação irá surtir efeito. “Estamos fazendo um levantamento no Estado e vamos buscar a readequação da tabela.” Uma audiência pública está agendada para a próxima quinta-feira em Juiz de Fora. Na oportunidade, a Comissão de Saúde junto com autoridades locais irá discutir caminhos para os hospitais. A audiência acontecerá às 15h, no auditório do Banco do Brasil da Rua Halfeld.
O Ministério Público também está realizando um levantamento da situação das unidades da região. “Um relatório será encaminhado às promotorias para que elas chamem os gestores e proponham a formalização de um termo de ajustamento de conduta, fixando um prazo para as adequações. Se não houver uma política de fortalecimento, eles terão que suspender as atividades até que haja uma nova perspectiva”, afirma o promotor de Defesa da Saúde, Rodrigo Barros.