Mão na cabeça
Com o dedo em riste, o cartola resolveu desabafar. Já não aguentava a maneira como a sociedade brasileira trata os jogadores de futebol. “São uns moleques. Não têm compromisso. Viram as costas para os clubes por qualquer centavo.” As palavras pulavam contínuas e turbulentas como peixes nadando rio acima durante a piracema.
“Por qualquer atraso no pagamento esses moleques procuram ratos de gravata para conseguirem, na Justiça, fechar negócio com aliciadores. Aliás, nem é atraso de pagamento. Deixam o clube à míngua por conta de ‘direito de imagem'”, debochou antes de abusar de uma repetição compulsiva: “Moleques ingratos! Ingratos! Ingratos!”.
O cartola seguiu enchendo os microfones alheios com a baba da ira. “Nosso futebol vai acabar. Não há como gerir um grande clube com essa geração de atletas narcisistas!” As declarações eram ríspidas. Daquelas que a imprensa festiva gosta de noticiar nas manchetes construídas por frases fora de contexto. Alguns já imaginavam quantas vezes o termo “INGRATOS!”, em letras garrafais, poderia se espremer na capa do jornal do dia seguinte. “Na chamada do Facebook, cabe mais”, devaneou um repórter que tinha sede de “likes”.
O teatro da falsa indignação seguiu. Todos atentos ao discurso tão vazio quanto um saco de batatinhas onduladas. “O que estraga o jogador é que todo mundo passa a mão na cabeça. Todo mundo passa a mão na cabeça!” Nesse momento, um jornalista veterano riu sozinho. Era o único a perceber que o dirigente se furtava a responder a única pergunta feita até ali. Não havia dito ainda o que achava da medida provisória assinada ontem que trata do refinanciamento da dívida de quase R$ 4 bilhões dos clubes com a União. “Passar a mão na cabeça por passar a mão na cabeça…”, pensou. Riu uma vez mais, resignado, enquanto afagava o próprio cocoruto.