Manifesto das coxinhas


Por Júlia Pessôa

10/10/2014 às 07h00- Atualizada 13/10/2014 às 14h53

O movimento das Coxinhas Simples, Com Ossinho Embutido, Com Catupiry e Aditivos e Transgêneras (Csocat) e a Comissão Ética desta instituição vêm se manifestar contra a grave violação da idoneidade da identidade destas iguarias. Segundo o dicionário Aurélio (Buarque de Hollanda, como era de se esperar), as coxinhas nada são além de “um alimento brasileiro salgado, empanado e frito, com recheio tradicionalmente à base de frango desfiado, que pode ter alterações.”

Em nome de todos os quitutes desta natureza, viemos nós, coxinhas, pedir que parem de desrespeitar-nos associando nosso nome a atitudes preconceituosas e de ódio, posturas que repudiamos veementemente. Uma delas diz respeito ao Nordeste, achincalhado recentemente nas redes sociais por causa de seu direcionamento político nas urnas. Temos o apoio de nossos companheiros de óleo quente, os acarajés, nesta empreitada, e não vamos permitir que nosso nome seja relacionado de forma alguma a quem desrespeita os nordestinos, sob pena de desaparecermos de vez dos cardápios e vidas dos brasileiros.

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Outra questão refere-se ao movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), atacado também com ira e violência nesta campanha eleitoral. Os croquetes e pastéis já se juntaram a nós nesta causa, para que a coxinha não seja difamada em nome da “família brasileira”, já que justamente ela é um salgado tão querido a esta instituição – em quaisquer de suas possíveis formações.

Por fim, as coxinhas se opõem radicalmente aos discursos que reforçam e legitimam a desigualdade social e vão contra a distribuição de renda, como: “esse aeroporto parece rodoviária”, “tá difícil manter a empregada”, “absurdo encontrar meu porteiro em Nova York” e “não tem que dar o peixe, mas ensinar a pescar”. Tais visões de mundo – amplamente difundidas na internet nos últimos meses -vão diretamente contra os ideais de igualdade que as coxinhas sempre representaram no Brasil.

Sem discernir classe social, raça, origem ou tendo qualquer parâmetro preconceituoso, o quitute sempre ocupou as esferas sociais brasileiras de forma igualitária: as rodoviárias, dividindo estufas com bolovos e ovos coloridos; as festinhas infantis, disputadas a tapa antes de servirem os brigadeiros; os coquetéis refinados, onde reinam as versões transgêneras – com massa de tapioca ou batata-baroa e recheios como camarão, siri ou queijo Gruyére, por exemplo -, prontamente aceitas pelas tradicionais de galinha, defensoras do direito à identidade de gênero gourmet. “Somos todas coxinhas, não importa a massa ou o recheio”, sempre foi o lema maior.

Dito tudo isso, as coxinhas, como grupo gastronômico representativo no paladar brasileiro, apelam à sociedade que pare de denominar como “coxinha” a qualquer pessoa que tenha atitudes e expressões reacionárias, de ódio, extremamente conservadoras ou preconceituosas sob qualquer ótica. O futuro da culinária do país está ameaçado caso este desrespeito continue a ser cometido. Coxinha é salgado. Quem vem espalhando tais atrocidades pelas redes e no boteco, muitas vezes em atitudes criminosas, não merece ter a honra de carregar a mesma nomenclatura de uma delícia nacional.

Atenciosamente,
Csocat

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