Da impossibilidade de ser sozinho


Por Tribuna

05/10/2014 às 06h00

Nina Mello mantém a recém-inaugurada CasaVinteum em São Mateus

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Silvana Marques quer revitalizar o centro histórico com sua escola de dança de salão

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Letícia trabalha e vive com a família no Espaço Diversão & Arte

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Aos 5 anos, Antônio já percebeu que fazer arte exige trabalho. De casa, ele vê o movimento dos artistas na complexa engrenagem que é a cultura. Sua mãe, Letícia Nabuco, ao lado do marido Bruno Santinho, da pug Graúna e da border collie Jujuba, decidiu em 2012 vivenciar diariamente o espaço que extrapolou a proposta pessoal confrontando-se com o interesse coletivo. Aberto desde 2006, o Diversão & Arte, com seu café, galeria de arte, sala de reuniões, estúdio e teatro, além de banheiros e camarins, é um dos espaços culturais em Juiz de Fora que partiram de uma motivação particular, garantindo lugar numa agenda cultural predominantemente construída pela iniciativa pública. Ao reivindicar para si o próprio ambiente de produção, longe da solidão dos criadores e perto de seus pares e do público, empreendedores como Letícia deparam-se com os dilemas característicos da área cultural, frequentemente preterida. O risco da liberdade é inevitável. É então que surge a urgência por alternativas, que podem, até mesmo, resultar na parceria com o pode público. Independência, assim, também rivaliza com a morte.

“Esta é a grande questão de todo mundo, com espaço físico ou não: Como vou existir? Vivemos um momento dos grandes editais e prêmios, nos quais acredito muito, mas que também é perigoso se houver uma dependência exclusivamente deles. Me instiga perceber que tenho que pensar em soluções”, incita a fotógrafa Nina Mello, que, há menos de dois meses, inaugurou a CasaVinteum (antigo Espaço Experimental Nina Mello), situada na Rua 21 de Abril, no Bairro São Mateus. “Para o espaço existir, ele tem que andar com as próprias pernas, ainda que para isso eu precise estar ancorada em uma lei de incentivo. Ao mesmo tempo, quando começamos a ser geridos pelo Estado, acabamos sucumbindo. Tenho muitas dificuldades, mas muita liberdade. Não dá para ter tudo”, completa.

Não se trata de um “bloco do eu sozinho”, segundo Nina. Parcerias estão sempre em pauta, desde que sejam preservados seu discurso e sua opção estética. “Move-me a possibilidade de vivenciar os surgimentos. Muito antes de ser comercial, esse é um espaço de exposição no sentido mais íntegro da palavra. Quero fazer conhecer o artista, trazer um talento novo. Se é comercial ou não, para mim, pouco importa”, afirma, olhando a casa equipada com galeria, sala de cursos, reserva técnica climatizada, laboratório de revelação analógica, espaço multiuso e estúdio fotográfico.

“Não tinha esse propósito de trabalhar com gestão cultural. Queria fazer o meu trabalho artístico e ponto”, conta Letícia, que é formada em dança, dizendo também perseguir a pesquisa e a experimentação no prédio adquirido com recursos próprios, assim como Nina. “Nunca consegui criar um time de pessoas que realmente vivam do próprio trabalho artístico e que estejam a fim de investir nisso. Inicialmente a minha ideia era de que fosse um espaço de residência artística sustentável”, completa.

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O suor e as contas

No dia em que os brasileiros escolhem novos (ou velhos) governantes, esses empreendedores ficam de olhos bem atentos. Toda movimentação, ao contrário do que se pensa, repercute na independência e no projeto artístico que construíram. Para além das questões de formação de público, e de um trabalho concreto e efetivo no imaginário coletivo acerca da relevância e presença das artes, esses gestores confiam no Governo como parceiros de uma proposta que é cultural, mas também social. “É papel de todo mundo fazer acontecer. É papel do Estado fomentar e possibilitar que uma cena aconteça, mas o artista tem que dar seus próprios passos. É uma questão de engajamento. As manifestações (de julho de 2013) mostram que as pessoas começaram a entender que elas têm o papel delas para que as coisas aconteçam. Não vejo o Governo separado de mim”, analisa Letícia Nabuco.”A cultura, como a saúde e a educação, precisa ter verba, que o Estado pense nela, dando condições para que os artistas façam com liberdade de produção. O homem é um ser político. Não tem como não pensar assim”, acrescenta Nina.

Quando o aluguel é um item a mais na conta extremamente objetiva gerada por atividades majoritariamente subjetivas, tudo fica ainda mais difícil. Bailarina e coreógrafa, Silvana Marques, que em 2008 abriu seu Estação Cultural em um prédio histórico, conhece muito bem o vermelho do banco. “Minha intenção era ter uma escola, um centro cultural e um café. Queria que as aulas fossem apenas uma parte, mas não conseguimos desenvolver outras vertentes. Produzir cultura na Praça da Estação foi muito difícil. É mais chique ir à Lapa. E mudar é uma coisa profunda, de décadas”, diz ela, que hoje mantém o lugar dando aulas de dança de salão todas as noites e aos sábados, além de promover bailes e receber um repasse da Funalfa, o que representa um terço das despesas da casa, para sediar algumas atividades do programa Gente em Primeiro Lugar.

“Consigo me manter financeiramente do espaço e isso não é nada utópico. Claro que tive condições de fazer isso porque havia a grana para comprar essa casa. Hoje em dia o espaço se paga, o que não dá garantia nenhuma de que ano que vem será assim. Essa é a questão de todo profissional liberal hoje”, aposta Letícia Nabuco, que recebe aluguéis do espaço, oferece cursos e também recebe uma verba da Funalfa pela utilização do espaço em algumas datas ao longo do ano. Adepta dos editais, ela recebeu, no ano passado, R$ 40 mil do “Cena Minas”, edital estadual, para realizar um festival de oito meses. A casa também abriga a Epinefrina – Plataforma de produção musical, que segundo Bruno Santinho, marido dela e produtor, tem “a intenção de ser uma instalação, na qual o assunto principal é a música. A casa dialoga com a plataforma. Aqui eu posso trazer uma banda de fora, organizar o evento, hospedar o grupo, gravar e tudo o mais sem sair da casa”, explica Bruno.

Atendendo cerca de 500 pessoas e sobrevivendo com a contribuição de empresas e também de anônimos, além de um repasse mensal da Funalfa para o pagamento de funcionários, um dos principais espaços culturais da periferia de Juiz de Fora, a Casa de Cultura Evailton Vilela, no Bairro Santa Efigênia, resiste na certeza de que é necessário que o morro tenha vez. “É muito difícil, porque antes de tudo fazemos um trabalho social para mudar as estatísticas de violência de nossa cidade. Só quando isso se torna uma missão de vida conseguimos superar os obstáculos”, pontua Negro Bússola, coordenador do lugar que homenageia um de seus amigos mortos pelo crime. Contudo, todo esforço é compensado pela própria oportunidade de existir enquanto criador. “A gente é louco mesmo. Se não há uma pitada de loucura é melhor desistir e procurar um emprego. Ao mesmo tempo, temos muitos sonhos, e é isso que move o artista, a insatisfação constante”, emociona-se Silvana. Abrir as portas para o que acredita, na arte ou fora dela, tem um valor que o dinheiro não paga. Antônio está aprendendo isso.

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