Da Venezuela para o Brasil, Marbelys Janeth Orozco reconstruiu sua vida
A imigrante que mora em Juiz de Fora há quatro anos conta sobre choques culturais, a vontade de mudar sua vida e também fala com amor sobre seu país natal
De segunda-feira a sexta-feira, Marbelys trabalha na Padaria Lisboa, no Centro da cidade, onde atende pedidos, serve mesas, conversa e sorri para os clientes. Geralmente está com o cabelo preso, nenhuma maquiagem e acessórios bem pequenos e discretos. Quando seu horário acaba, frequenta uma Igreja evangélica na qual expressa sua fé e onde conheceu um brasileiro por quem se apaixonou. A vida que tinha em Puerto Órdaz, na Venezuela, onde trabalhava como cabeleireira em um pequeno salão e vivia com seus filhos e o ex-marido, um empresário, já ficou toda pra trás. Exatamente para deixar esse passado para trás, ela chegou ao Brasil, há quase quatro anos, sem perspectiva clara de emprego ou de um futuro próspero. Mesmo assim, quis enfrentar uma mudança de cenário impensável e oferecer uma vida melhor para a família. Hoje, sente-se feliz por ter conseguido mais do que imaginava: “Sinto-me tranquila e acolhida aqui”.
Desde que a crise econômica começou na Venezuela, há cerca de dez anos, muitos vieram para o Brasil em busca de novas perspectivas. De acordo com dados do Governo federal, divulgados em 2022, o Brasil recebeu mais de 700 mil venezuelanos nos últimos cinco anos. No mesmo lugar em que Marbelys trabalha, por exemplo, há dois outros venezuelanos. Ela também conhece outros conterrâneos em diferentes pontos da cidade. Marbelys comenta que a mudança foi motivada por um conjunto de fatores: sua mãe havia falecido há um ano, estava passando por um divórcio e percebeu que a filha estava enfrentando problemas emocionais. “Isso foi o mais decisivo pra mim. Queria que ela pudesse ter uma mudança de ambiente”, diz.
“Tínhamos uma vida boa lá, mas depois da crise, as coisas começaram a ficar bem mais duras. Passei pela separação e pela morte da minha mãe, comecei a ficar com pouco dinheiro, meus filhos estavam com dificuldade para estudar e senti que precisava mudar”, explica. Logo que chegou, no entanto, não tinha uma estrutura preparada e nem uma reserva de dinheiro, então precisou receber doações para que se estruturasse. Por isso sempre enfatiza o quanto é grata aos brasileiros: “As portas se abriram assim que cheguei. É um país muito acolhedor, de verdade. Sempre foi muito bom comigo”. Após um mês, conseguiu seu primeiro emprego no país e, agora, está completando quase um ano na padaria onde trabalha.
Apesar de seus irmãos, seu pai e seus amigos terem ficado na Venezuela, ela conseguiu criar uma nova vida aqui com seus filhos e com o homem por quem se apaixonou e com o qual se casou. Hoje, os três filhos moram aqui, e ela já tem netos brasileiros. Não conhecia nada de Juiz de Fora antes de vir pra cá, tampouco sabia como era a cidade e o bairro onde mora desde que chegou, o Linhares. Confessa que sente falta da cidade em que está sua família e também do clima da Venezuela, sempre tão quente. O que gosta, no entanto, é esse bem-estar que sente aqui. “Meus filhos querem voltar, mas acho que não vou. Se for, vou de visita e volto. Criei uma vida aqui”, diz.
Choques culturais
Marbelys conta que, na maior parte do tempo, acredita que o Brasil e a Venezuela têm semelhanças. A comida brasileira, por exemplo, lembra bastante a do seu país natural, mas pondera: “acho muito estranho comer feijão todos os dias”, diz, sorrindo.
Logo que chegou, ela também encontrou dificuldade para aprender o português. Não sabia a língua antes de chegar e não conseguiu fazer aulas aqui, tendo aprendido tudo o que sabe no seu dia a dia, trabalhando e com a filha, que aprendeu palavras e compartilhava com ela. “Achei muito difícil, não vou falar mentira. Tem palavras que ainda são muito complicadas, tipo ‘liquiquificador’. Riem muito comigo no trabalho”. Mas ela também ri, porque sabe que tudo é um processo de aprendizado.
Além da língua, uma diferença que logo percebeu foi a maneira como as mulheres se vestem aqui. “Na Venezuela, as mulheres se vestem bem fechadas. Aqui são bem mais livres. Quando vi uma moça de top, coisa que lá só usaria em praia, fiquei em choque, mas não achei ruim, só diferente, é a cultura daqui”, explica. Em sua percepção, inclusive, as mulheres brasileiras são mais bem tratadas pela sociedade e enfrentam menos machismo por parte dos homens.
Amor pela Venezuela
Logo de cara, Marbelys deixa claro que saiu da Venezuela, mas seu país continua ocupando um grande espaço em seu coração. “Não gosto que falem mal de lá. Deus não se equivoca, e nós nascemos lá. Se nascemos é porque temos coisas boas”, diz. Ela comenta que há falsas crenças sobre a Venezuela, assim como há sobre o Brasil. “Me perguntam muito se é verdade que venezuelano come cachorro”, ri.
Assim como ela saiu de lá em busca de uma vida melhor, entende que também existem muitas pessoas boas que ficaram. “Acho que saí mais por causa da minha filha, para dar um futuro para os meus filhos, senão eu teria ficado. Gosto muito de lá. É um país muito bom, que tem tudo, apesar de ser pequeno”, conta. Em toda a sua vida, sempre se imaginou continuando em Puerto Órdaz, no estado Bolívar, onde passou os últimos anos antes de vir pra cá. “Nunca imaginei que iria morar no Brasil. Sempre falava que nunca sairia do meu país. Mas veja onde eu estou, né?”, sorri.