PL sobre meia-entrada para mulheres visa inclusão e debate violência nas arenas

Projeto de lei foi levado ao Congresso Nacional e, se aprovado, poderá conceder benefício às mulheres em até 50% da carga total dos ingressos


Por Agência Estado

07/03/2023 às 15h53

O Projeto de Lei nº 168/2023, que assegura às mulheres o direito ao pagamento de meia-entrada em jogos de futebol em todo território nacional, foi levado ao Congresso Nacional pela deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP). O benefício será concedido em até 50% da carga total dos ingressos, se for aprovado. Para a parlamentar, o PL visa a “inclusão plena” das mulheres no universo futebolístico. O tema também levanta o debate sobre a pacificação das arenas.

Sâmia, de 33 anos, é uma das vozes ativas do feminismo na política brasileira. Ao Estadão, ela explicou que foi procurada por Analu Tomé, conselheira do Corinthians e co-fundadora do movimento Toda Poderosa Corinthiana, para pensar em propostas que estimulem a participação feminina no futebol, seja nas arquibancadas ou no jogo em si (árbitras, treinadoras e jogadoras). No projeto levado ao Congresso, ela cita o Decreto-Lei Nº 3.199/1941, que por quatro décadas proibiu as mulheres de praticar a modalidade, como determinantes para a inibição da presença feminina nas arenas ao longo dos anos.

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“Essa política misógina refletiu não apenas no assédio e na discriminação de gênero, mas também na falta de profissionalização, na oferta de baixos salários e nas condições precárias que afetam desde as esportistas até as jornalistas que cobrem futebol. Avançamos na visibilidade das trabalhadoras do segmento, especialmente com a Supercopa Feminina, mas ainda falta muito para promover a plena inclusão das mulheres no futebol”, afirmou.

A deputada argumenta ainda que a medida pode impactar positivamente na arrecadação dos clubes com bilheteria e a comercialização de produtos oficiais. Sâmia também ressalta a situação das mães solo subempregadas ou submetidas à desigualdade salarial. Segundo ela, essas mulheres dificilmente têm a oportunidade de ir a uma partida do time de coração, e o incentivo da meia-entrada tem a função de aumentar essa possibilidade.

“O benefício movimenta toda a cadeia de consumo que envolve o futebol, isso já foi comprovado em ações muito bem sucedidas que alguns clubes promovem, por exemplo, nas comemorações do 8 de Março (Dia Internacional da Mulher)”, afirma. No documento, é citado uma ação do Governo de Sergipe, que anunciou para este mês de março a disponibilidade de meia-entrada para todas as mulheres.

Pacificação dos estádios

Os estádios têm um estigma de serem locais potencialmente violentos, onde vale tudo, de gritos misóginos e homofóbicos a agressões físicas. A sugestão de uma maior presença feminina nas arquibancadas levanta um debate sobre a pacificação das arenas. Para Sâmia, uma sociedade mais pacífica passa justamente pelo convívio com a diversidade, em que homens e mulheres ocupam os mesmos espaços, com os mesmos direitos e oportunidades de acesso

Para Raquel Sousa, mestre em Ciências Sociais e especialista em Policiamento e Segurança em Eventos Esportivos pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a instauração da lei pode ajudar a pacificar os estádios, mas “a problemática é maior”. Para ela, a legislação deve ser acompanhada de campanhas de conscientização, seja para a necessidade da presença feminina no ambiente esportivo, como também para incentivar a denúncia de assédios na delegacia do torcedor. Além disso, as autoridades devem estar preparadas para atender corretamente demandas do tipo.

“Em suma, a lei, sozinha, de maneira isolada, não resolverá o problema das mulheres no ambiente do futebol e pode inclusive aumentar o valor dos ingressos que já não estão baratos, gerando uma maior segregação socioeconômica”, diz. “As relações sociais presentes nos estádios podem ser hostis à presença feminina, mas a culpa não é do estádio, são das relações machistas que permeiam a sociedade.”

Em janeiro, o Paraná passou por uma experiência inédita com a presença apenas de mulheres e crianças em jogos de Coritiba e Athletico-PR. Os clubes foram punidos com jogos sem torcida por causa de uma briga generalizada, mas conseguiram converter a pena em ações colocando apenas o público feminino e infantil nos estádios. No mês seguinte, lideranças de três das maiores torcidas femininas de Curitiba compareceram à Câmara Municipal para debater ideias para aumentar a segurança de mulheres em jogos.

Torcedoras do Coxa em partida da equipe paranaense sem a presença de homens (Foto: Franz Fleischfresser/Coritiba)

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A pesquisadora do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (LEME) da Uerj, Leda Costa, explica que o período de maior incidência de casos violentos aconteceu no final da década de 1980 e início dos anos 1990. A especialista faz questão de ressaltar, porém, que a questão da importunação sexual às mulheres em partidas nem sempre recebeu a atenção que deveria, contribuindo para o público feminino não ver as arenas como espaços acolhedores. Leda defende que o PL seja debatido com a participação dos grupos interessados e deixa claro que o tema não passa somente pela questão de preço, mas também pela necessidade de transformar as arenas em locais seguros às mulheres.

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“Os estádios historicamente se configuraram como um espaço de exaltação e manutenção de uma masculinidade agressiva, com cânticos demasiadamente ofensivos. Isso já contribuiu para o estádio ser pouco convidativo. E a isso se soma a violência urbana. Vivemos em um País com um alto índice de feminicídio e para ir ao estádio é preciso trafegar pela cidade, o que não é tão simples assim para as mulheres. Depois, ela (a mulher) tem que entrar em um lugar que historicamente banalizou a questão do assédio. É necessário políticas públicas com participação ativa dos clubes para que esses locais sejam mais acolhedores.”

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