‘Corpo a Corpo’ conta histórias de profissionais da limpeza urbana de JF
Muitas vezes invisibilizadas em sua atividade essencial, mulheres que atuam nas ruas da cidade são personagens do novo episódio do podcast da Tribuna
O Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb) conta com atualmente 1.198 trabalhadoras e trabalhadores, sendo que deste número cerca de 50% são mulheres. Os principais eixos do trabalho que realizam são a coleta de resíduos, a varrição das vias e a roçada/capina das vias e dos córregos. As mulheres estão presentes em todos esses setores, mas principalmente na varrição, onde são preponderantes. Em homenagem ao Mês da Mulher, que começa nesta quarta (1º), a Tribuna entrevistou quatro dessas trabalhadoras para que elas pudessem contar sobre suas vivências, que muitas vezes são invisibilizadas.
A Tribuna acompanhou Míriam Almeida Silva, Josiane Aparecida da Silva, Lohayne Aparecida da Silva Ribeiro e Mônica Venâncio Domingos durante um dia de trabalho para conhecer mais sobre cada uma, saber que desafios enfrentam dentro do trabalho e fora dele, e ainda entender como a feminilidade encontra espaço em suas vidas. O assunto é tema no novo episódio do podcast “Corpo a Corpo”, disponível no Spotify da Tribuna de Minas.
A rotina de trabalho dessas mulheres começa acordando bem cedo, por volta das 4h. Míriam conta, por exemplo, que pega o ônibus de 4h45, saindo de Matias Barbosa em direção a Juiz de Fora, para começar o serviço. Antes, como assistente comercial, ela trabalhava sentada e lidava com reclamações de clientes; agora, passa sua manhã e boa parte da tarde em pé, varrendo as ruas, vestindo o uniforme laranja e se dedicando a cumprir sua rota. “A gente tem contato com as pessoas e liberdade ao ar livre”, diz. Outra coisa que a deixa feliz é que, por trabalhar na mesma rua, há pessoas que acabam reconhecendo a sua figura e aí a cumprimentam – e, apesar dessas não serem a maioria, muitas reconhecem o bem que profissionais como ela fazem para a cidade. “Nosso trabalho é zelar. E a gente cuida das ruas como se fosse a nossa casa”, conta.
Esse contato também é o que motiva a sua prima, Josi. Míriam começou em 2016; Josi, em 2012. Ela inclusive já passou por diversas outras funções, tendo sido por exemplo a primeira mulher a trabalhar em caminhão de coleta. Lembra-se sempre desse período com carinho: era bem tratada pelos homens com quem trabalhava, gostava da agitação e se divertia. Mas agora, na varrição, também se adaptou bem. “Gosto quando passam e me gritam ‘Josi, vem aqui’, ‘Dá um abraço!’”, diz. Ela se define como uma mulher agitada e explosiva, e mesmo nos finais de semana, quando não trabalha, acorda na mesma hora de sempre. Dorme pouco – e no tempo que tem para fazer algo para ela, gosta especialmente de ficar com sua neta, de 4 anos.
Já Lohayne é relativamente nova no serviço, entrou em março de 2022 e está no seu primeiro contrato. Muitas pessoas, quando ela chegou, pensaram que não aguentaria o serviço. A vassoura é pesada, há sol e chuva no caminho, e há muita gente que acaba prejudicando o trabalho. “Eu achava que era só pegar vassoura, igual a gente faz em casa, mas não é. Tem todo um processo, e tem pessoas que não gostam de dar licença”, explica. Ela aprendeu a gostar do que faz, mesmo com as dificuldades.
O mesmo afirma Mônica, que antes era cozinheira. “Parece que é uma ginástica que a gente faz, sabe?”, ri. Ela nunca tinha imaginado que trabalharia com isso, porque era a sua mãe que tinha vontade, mas ela achava que era pesado demais e que seria muito difícil dar conta desse tipo de serviço. Mas sua mãe acabou falecendo antes de trabalhar no Demlurb e, por um acaso do destino, a filha acabou tomando a profissão nos últimos anos. “Eu tentei para ela”, diz.
Cuidados com a autoestima
As quatro entrevistadas mostram clara preocupação com o visual: usam penteados, algumas usam maquiagem, todas estão de unhas pintadas e brincos. Para Míriam, arrumar-se antes do trabalho virou uma espécie de ritual que cumpre com gosto, porque faz bem a ela e a deixa mais disposta. “Eu acho muito importante a gente valorizar nossa beleza”, diz. Ela foi inclusive Miss Gari em 2022, ganhando um concurso que teve voto popular e que, além de celebrar sua beleza, também fez com que ela sentisse que seu trabalho tem reconhecimento, porque muitas pessoas que votaram nela a conheciam apenas de vê-la varrendo as ruas.
Na experiência de Lohayne, há gente que inclusive passa por perto e elogia sua beleza. Ela foi inclusive presenteada por um casal que, vendo-a sempre no mesmo trecho, resolveu lhe dar uma paleta de maquiagem. Com os elogios, ela passou a querer também se arrumar cada vez mais. “Aquilo deu uma aumentada na questão da autoestima e da vaidade”, revela. Ela explica que, antes, como repositora em um supermercado, não pintava as unhas. Mas foi percebendo que, durante a varrição, as mãos ficam destacadas, e aí resolveu fazer isso também. Ela é apelidada por muitos perto da Praça do Riachuelo de “Baby Hair”. Mas não é só a aparência que faz com que ela se sinta bem com ela mesma: também leva uma rotina pesada, em que sai de casa cedo e só retorna tarde, para conseguir dar conta do seu curso de enfermagem. “Eu faço por amor”, conta. Ela realmente se encanta com a possibilidade de trabalhar na área de saúde, e atualmente se divide mesmo em duas para dar conta. “Eu tenho a farda laranja e a farda branca.”
Mônica também sabe que o cuidado com a própria beleza é algo que faz parte da rotina de muitas mulheres que trabalham no Demlurb. “A gente gosta de andar bonita. Você viu o dia a dia das meninas, não viu? A gente é moderna”, conta. Ela mesma acorda já seguindo seu ritual: toma banho, passa perfume, creme e se arruma. Gosta de ficar cheirosa até mesmo para quebrar esse tabu, que tantos ainda repetem. É como também contou Míriam, anteriormente, sobre pessoas que não entendem o trabalho delas, e acham que “são lixo também”.
Preconceitos diários
Embora digam gostar do trabalho que desempenham, essas trabalhadoras não estão livres de preconceitos. Algo que afetou diretamente Lohayne, por exemplo, foi uma experiência que teve em uma loja durante seu intervalo de trabalho. “A moça não queria que eu encostasse nas roupas porque eu estava de laranja”, disse, se referindo ao uniforme de trabalho. O que ela notou, portanto, foi uma espécie de “nojo” da vendedora pela profissão que ela exerce. Lohayne acredita que, se fosse em outro horário e ela não estivesse vestida com o uniforme do Demlurb, a tratariam “como uma cliente normal”. E diz que nota que muitas colegas de trabalho também sofrem coisas do tipo e se inibem diante dessas situações.
Josi também já vivenciou uma situação que a ofendeu. “Eu estava varrendo, um senhor veio perto de mim, jogou papel no chão e falou: ‘Estou jogando para você catar. Se eu não jogar, não tem serviço pra vocês’”, recorda. O episódio, pelo que foi reportado pelas trabalhadoras, não é incomum, como também não é rara a ignorância sobre o que significa o trabalho destas mulheres. Míriam, por exemplo, revela que antes de trabalhar lá ela mesma não entendia bem a contribuição que as profissionais do Demlurb dão para a cidade. “Eu passava do lado das pessoas que faziam a varrição e nunca dava importância. Hoje vejo o quanto é valioso o trabalho que a gente faz”, revela.
Luta e motivações
O Demlurb conta com servidoras e servidores com diferentes regimes de contratação: efetivos, comissionados e temporários. Independentemente disso, no entanto, a média salarial de uma pessoa que trabalha com varrição no departamento é de aproximadamente um salário mínimo – com eventuais gratificações, o valor pode chegar a R$ 2 mil por mês. Dentre as entrevistadas, Míriam tem dois filhos, enquanto Josi tem um filho e uma neta, e Mônica também tem filhos; Lohayne não tem filhos, mas estuda e ajuda em casa. Com isso, a rotina delas, como de muitas mulheres em outras áreas de atuação, na verdade é praticamente tripla, para conseguirem se manter e a seus dependentes.
O que as motiva a continuar, mesmo com todas os desafios, e a fazer um bom trabalho parece ser justamente a garra de cada uma. Josi conta que, para ela, mais que se arrumar ou receber elogios, o que a faz querer ir para o trabalho é o “povão”. “Você conversa com um, conversa com outro, acaba pegando um amor e um carinho. Quando não vem no trecho, sentem sua falta.” E sua prima, Míriam, complementa: sabe que o que faz tem valor, e vê como uma luta enorme as mulheres estarem enfrentando tantos desafios para manterem suas vidas, tanto como trabalhadoras quanto também como mães, esposas e donas de casa. “É muita coisa que a gente dá conta”, diz.