Vaquinha busca erguer casa para refugiada venezuelana e sua filha PCD
Trabalhando como faxineira, Nohemí Devera, de 62 anos, comprou um terreno e construiu um barraco; ativistas tentam apoio para fazer uma moradia de contêiner
Até onde uma pessoa pode ir para percorrer seu sonho? De onde vem a força que a motiva deixar o país de origem em busca de uma vida mais digna? Nos olhos e no sorriso de Nohemí Devera, de 62 anos, parecem estar escondidas as respostas. Refugiada venezuelana, em 2018 ela precisou tomar uma decisão que mudaria para sempre o seu destino e o da filha Nairobis. Na época, a Venezuela passava por uma intensa crise política e econômica. A decisão, assim como a de milhares de refugiados, foi cruzar a fronteira com o Brasil até Boa Vista, capital de Roraima.
Lá, Nohemí e a filha ficaram por cerca de um ano, até que o projeto de interiorização de migrantes as trouxe para Juiz de Fora. Nos primeiros meses elas foram abrigadas pela Casa Benjamin, da Associação dos Amigos (Aban), até que pudessem se estabelecer na cidade. De família empreendedora, Nohemí era dona de uma mercearia na Venezuela. Em Juiz de Fora, começou a fazer faxinas para se manter. Ela sai todo dia de madrugada, às 5h, e volta às 20h, levando consigo a filha Nairobis.
Aos 40 anos, Nairobis não escuta nem fala. Nohemí a define como “especial”. Com o comportamento dócil de uma criança, ela passa boa parte do tempo entretida com as bonecas, alisando seus cabelos e as vestindo com roupinhas coloridas. A qualquer oportunidade, te agarra para um abraço e não tira o sorriso do rosto. “Eu prefiro ficar com ela do que ficar desconfiando de alguma coisa. Ela não sabe falar, ‘me fizeram isso, passei isso, me doeu isso’…”, conta.
‘Casita‘
Com o que ganha nas faxinas, Nohemí conseguiu comprar um terreno no Bairro Miguel Marinho, Zona Norte de Juiz de Fora. O pedaço de terra, que tem fundo para uma área verde, é seu maior tesouro. O lugar é calmo, o silêncio só é quebrado pelo grito das crianças brincando na rua. A vizinhança é humilde, e mais ainda a casa que Nohemí construiu.
A “casita”, como carinhosamente se refere, é um pequeno barraco de madeira, com telha de fibra e instalado à beira de um barranco. Chegando lá, Nohemí nos convida para entrar e diz, em espanhol, “é simples, mas é o que tenho”. O lugar parece uma casinha feita apenas para brincadeira. Uma cortina improvisada separa o quarto da cozinha. Uma mesa guarda panelas, copos e um balde cheio de água. Há também um fogareiro que, segundo Nohemí, custou R$ 20 na feira da Avenida Brasil. “Um galão de água para beber e um para lavar roupa”, explica. Água que ela pegou no vizinho, já que o barraco não possui encanamento nem luz elétrica. No quarto, duas espreguiçadeiras fazem vez de cama, uma arara tem poucas roupas e muitas bonecas.
Em dia de chuva, a água entra pelas frestas da madeira e molha todo o interior do barraco. Mas isso não é problema para Nohemí. “Coloquei essa lona aqui e já deu jeito”, afirma, apontando para um plástico azul pregado na parede. Ela não se importa que a casa não tenha piso, todo dia acorda cedo e bate a terra para não levantar poeira. Na visão da dona, a “casita” não tem defeitos, afinal, foi ela quem a levantou com as próprias mãos. Com a ajuda de um marceneiro do bairro, construiu o barraco em alguns dias. Foi preciso desembolsar R$ 300 e muito esforço.
Quando questionada se o seu sonho é uma nova casa, Nohemí diz: “o meu sonho é esse aqui, essa ‘casita’, já realizei o meu sonho”. Apesar de estar feliz com o que tem, ela sabe que a casa não oferece condições necessárias para viver com a filha. O barraco foi levantado em uma parte íngreme do terreno. Para se sustentar, foi preciso escorar as paredes com pneus e sacos de areia que, a qualquer chuva mais forte, podem vir abaixo.
Vaquinha pretende arrecadar R$ 35 mil para construção
Vendo a situação de Nohemí, Camila de Paiva Riani, junto com alguns amigos, decidiu ajudar. Camila trabalha com refugiados venezuelanos desde 2018, quando eles começaram a chegar a Juiz de Fora. Foi nessa época que conheceu Nohemí e Nairobis, ainda no projeto da Aban, da qual foi coordenadora. Junto com um grupo da Igreja Católica, Camila puxou uma vaquinha que pretende arrecadar R$ 35 mil, dinheiro suficiente para construir uma casa de contêiner. “Nós optamos por esse tipo de moradia porque, além de ser mais barata, é mais rápida”, conta Camila, que ainda afirma que, nesse caso, o tempo faz toda a diferença.
Atualmente, Nohemí não tem morado na “casita” de madeira. Ela paga o aluguel de um apartamento onde vive com a filha. No entanto, percebeu que, destinando a maior parte do dinheiro das faxinas ao pagamento da moradia, ficaria impossível economizar para construir uma casa. “Ela quer vir para cá o mais rápido possível”, conta Camila. “Mas a gente sabe que não tem condição de ela ficar aqui com a Nairobis. Um amigo prometeu pagar o aluguel de janeiro e de fevereiro do apartamento que ela está atualmente, para ver se a gente consegue segurar ela lá mais um tempo.”
Conforme Camila, diversas pessoas já se uniram com o objetivo de construir a casa: arquitetos, lojas de material de construção e pedreiros. No momento, o grupo procura parceria com um engenheiro para fazer o estudo de solo do terreno, que possui um declive acentuado. Para colocar o contêiner será preciso aplainar uma parte. Até o fechamento desta edição, a vaquinha havia arrecadado pouco mais de R$13 mil.
O plano de Nohemí é levantar a casa e nos fundos do terreno começar uma plantação. “Eu quero plantar lá embaixo, criar galinhas e fazer um criador de peixes. Aqui em cima eu quero fazer uma mercearia pequena para que eu e minha filha possamos sobreviver.” Além de dar mais descanso a ela e à filha, os planos de Nohemí também incluem ajudar o bairro. Com o que sobrar da plantação, ela pretende oferecer café da manhã e almoço com preço acessível às famílias mais carentes da região. “Eu preciso ajudar as pessoas do Brasil. Aqui tem tantas famílias precisando de ajuda e vocês estão se organizando para me ajudar. É o meu dever retribuir com esse projeto muito bonito que tenho.”