‘Holiday blues’: entenda o que é a tristeza ligada ao Natal e ao Ano Novo
Problema costuma atingir principalmente quem já tem tendência a estado depressivo e melancólico e, em muitos casos, faz com que as pessoas se afastem
Natal e Ano Novo são períodos festivos, em que as famílias se reúnem, em que muitos viajam para reencontros e todos renovam os planos para o ano seguinte. Se para muitos isso significa um momento de alegria, não é regra – para uma boa parcela das pessoas, esse também é um período especialmente angustiante devido aos mesmos motivos, além de também poder trazer memórias afetivas dolorosas ligadas a essas datas. O fenômeno é bastante comum e tem até uma terminologia própria: “holiday blues” (“tristeza de feriado”, em tradução livre). Esse problema costuma atingir principalmente quem já tem tendência a um estado depressivo e melancólico. Em muitos casos, faz inclusive com que as pessoas se afastem nesse período e entrem em um quadro de ainda mais sofrimento.
Para entender mais sobre esse estado, é preciso reconhecer alguns sintomas e entender a origem do mal-estar. Para Adriana Viscardi, coordenadora do curso de Psicologia do Centro Universitário Estácio Juiz de Fora, é possível identificar ao menos três questões que geram este sentimento de “blues”, ou seja, de certo estado depressivo. O primeiro ponto é que as pessoas tendem a fazer um balanço de fechamento de um ciclo para o reinício de outro, pensando sobre o que foi feito ao longo do ano, o que pode gerar frustrações em relação ao que foi planejado e não realizado. Outro ponto é que este momento de fim de ano é inundado de memórias afetivas que marcaram essa mesma época no passado – alguns já dolorosos, mas também outros que, por terem sido felizes, aguçam um sentimento de saudade. Ela cita exemplos: “amigos que já se foram, arranjos familiares que mudaram, situações de vida que nos comovem”.
Para a psicóloga e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Fabiane Rossi, esses problemas também podem surgir “devido à sobrecarga de trabalho, a problemas financeiros, ao apelo às compras, ao trabalho aumentado de administração de questões familiares, ao excesso de compromissos sociais, à ausência de tempo para o autocuidado”. Além disso, é uma época que remete a lembranças do passado, e especialmente pessoas que passaram por situações de luto podem se sentir mais sensibilizadas por lembranças, piorando quadros já existentes e até trazendo uma tendência ao isolamento.
Outra questão que costuma gerar o “blues” são as expectativas em relação a esse período. “Sejam compromissos financeiros, encontros, reencontros, organização das festas, das férias, os boletos… todas as coisas que a gente quer que deem certo nestes feriados e que geram ansiedade. Isso tudo se relaciona a questões existenciais, que mexem com a gente, e é difícil sair imune”, explica Adriana. Para ela, talvez nem seja mesmo interessante sair imune, pois essa reflexão também é capaz de fazer com que as pessoas consigam se fortalecer para novos desafios. “Se a gente pensar bem, a função dessas datas como Natal e Ano Novo é essa mesmo, de trazer reflexão, fazer repensar os valores, os propósitos, reafirmar compromissos, definir prioridades, pensar quem de fato faz sentido a gente ter por perto”, reflete.
Oferecer apoio
Para evitar desconfortos durante este período, Fabiane afirma que é importante respeitar os próprios limites, compreender que existem sentimentos que são esperados nesta época e que, embora haja uma cobrança social para que esse seja um momento festivo, é possível não atender a essas expectativas. Ela ainda ressalta que, como a sociedade exige produtividade o tempo todo, muitas vezes há dificuldades, e até mesmo culpa, em se ter um tempo livre de férias em que se dedique tempo a tarefas que não são relacionadas ao trabalho.
“É importante, assim, que se busque realizar atividades que sejam prazerosas e que esse período possa ser compreendido como uma oportunidade para rever questões e cuidar de si”, explica. Uma medida que ela considera valiosa, nesse sentido, é fazer um levantamento do que o indivíduo conseguiu realizar no ano e valorizar os avanços obtidos. Da mesma forma, considera importante fazer um levantamento do que não foi possível realizar, sem autocobrança, mas “acolhendo as dificuldades encontradas e percebendo as oportunidades de recomeço”.
Para quem está lidando com uma pessoa que possa estar passando por esse quadro, Adriana indica que é preciso ter atenção e sensibilidade. Ela destaca, ainda, que é essencial ter cuidado “para não ser invasivo e invalidar esses sentimentos da pessoa, mas também não deixá-la solitária”. É preciso ser fonte de respeito e acolhimento, com apoio e não cobrança. “A gente não pode forçar essa pessoa a encontrar, ficar cobrando um comportamento, a gente precisa respeitar e se ofertar como apoio. Estar próximo, não deixar de convidar… em todo caso, se reparar que o problema não se restringe a esse período, e que está demorando mais a passar, é hora de procurar ajuda de fato”, diz.
Quando buscar ajuda
Na percepção de Adriana Viscardi, é importante entender se esse tipo de problema está atingindo alguém que já conta com alguma fragilidade ou predisposição para a depressão. Nesses casos, é possível que o indivíduo seja afetado de forma mais intensa, “especialmente se a pessoa passou por alguma perda recente, como um luto, uma demissão, um término de relacionamento, um problema de saúde mental”.
De forma geral, ela também ressalta que é importante lidar com as expectativas sobre o que se espera desse encontro, e identificar o que traz esta ansiedade _ se é o encontro com uma pessoa ou uma situação específica que gera incômodo, para, a partir daí, calibrar as expectativas e planejar um comportamento que responda à situação.
“Por exemplo, é comum aparecerem algumas cobranças, se já tem namorado, se já trocou de emprego, se vai ter filho, se vai casar… Se isso incomoda, planeje uma resposta e uma ação, como fazer uma brincadeira e sair do ambiente ou mudar de assunto, por exemplo”, exemplifica. Ela explica que geralmente esses incômodos se repetem ou são coisas que já aconteceram anteriormente, fazendo com que seja possível se preparar. “É interessante entender que a gente não tem controle da situação, mas temos controle sobre nosso comportamento”, diz.