A tortura e a Igreja

“Estas práticas cruéis não eram necessárias à ordem pública nem conformes aos direitos legítimos da pessoa humana. Pelo contrário, tais práticas conduzem às piores degradações”


Por Mario Eugenio Saturno é tecnologista sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano

15/12/2022 às 07h00

O ódio dessas eleições no Brasil assustou e chegou até a Igreja Católica. Houve candidato e fieis que defenderam golpe de estado, pena de morte e tortura. E muito cristão católico acredita que Igreja defende estes pontos. Creio que seja um problema difícil para os bispos resolverem e não permitir divisões internas no futuro.

Na verdade, os bispos nem precisariam se manifestar, bastasse que todos os católicos estudassem a bíblia e o Catecismo da Igreja. Muita gente confunde o que a Igreja fez e faz com dogma de fé. Por exemplo, o dogma da Imaculada Conceição é uma coisa; cruzada, inquisição e tortura, outras.

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A tortura entrou em uso oficial pela Igreja em 1252, quando o Papa Inocêncio IV editou a bula “Ad Extirpanda”, durante a inquisição, provocando os momentos mais tenebrosos da história da Igreja.

Porém, ao abrir o Catecismo da Igreja Católica, a primeira citação de tortura é no parágrafo 645: Jesus Ressuscitado estabeleceu com os seus discípulos relações diretas, através do contato físico e da participação na refeição. Desse modo, convida-os a reconhecer que não é um espírito, e sobretudo a verificar que o corpo ressuscitado, com o qual se lhes apresenta, é o mesmo que foi torturado e crucificado, pois traz ainda os vestígios da paixão.

Depois, no §2148: a blasfêmia é contra o segundo mandamento. Consiste em proferir contra Deus palavras de ódio, de censura, de desafio; faltar- Lhe ao respeito nas conversas; abusar do nome d’Ele. A proibição da blasfêmia estende-se às palavras contra a Igreja de Cristo, contra os santos, contra as coisas sagradas. E ainda recorrer ao nome de Deus para justificar práticas criminosas, reduzir povos à escravidão, torturar ou condenar à morte. A blasfêmia é pecado grave.

O Catecismo afirma que (§2297) não são moralmente legítimos: os raptos e o sequestro de reféns que espalham o terror e intoleráveis pressões sobre as vítimas. E ainda o terrorismo que ameaça, fere e mata sem descriminação. A tortura, que usa a violência física ou moral para arrancar confissões, para castigar culpados, atemorizar opositores ou satisfazer ódios, é contrária ao respeito pela pessoa e pela dignidade humana. E são contrárias à lei moral as amputações, mutilações ou esterilizações de pessoas inocentes a não ser por indicações médicas de ordem estritamente terapêutica.

Não há dúvidas que a Igreja seja contra a tortura e que um católico deve sempre ser contra. Nos tempos passados, certas práticas de crueldade foram comumente adotadas por governos legítimos para manter a lei e a ordem, muitas vezes sem protesto dos pastores da Igreja, tendo eles mesmos adotado, nos seus próprios tribunais, a tortura.

A par destes fatos lastimáveis, a Igreja ensinou sempre o dever da clemência e da misericórdia; e proibiu aos clérigos o derramamento de sangue. Recentemente, tornou-se evidente que estas práticas cruéis não eram necessárias à ordem pública nem conformes aos direitos legítimos da pessoa humana. Pelo contrário, tais práticas conduzem às piores degradações. Deve trabalhar-se pela sua abolição e orar pelas vítimas e seus carrascos (CIC §2298).

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