Bala Desejo faz show em Juiz de Fora
A banda carioca formada por Dora, Júlia, Zé e Lucas se apresenta na próxima quinta-feira, no Sensorial
Precisou que quem olhava de fora entendesse a dimensão de um encontro que aconteceu ainda na infância para que um quarteto se transformasse em um projeto. Não apenas um projeto musical: mas, sim, um projeto artístico, de redescoberta, um desbunde, um quase retorno sem perder os pés do hoje e do futuro. Bala Desejo, com nome, existe, primeiro porque a cantora e compositora Teresa Cristina tinha o quarteto Dora Morelenbaum, Júlia Mestre, Zé Ibarra e Lucas Nunes (às vezes outros nomes se uniam a eles) como convidados cativos na live que fazia durante a pandemia, homenageando os músicos do Brasil.
Naquela época, quando eles se reuniram na casa de Júlia para juntos fazerem o distanciamento, Teresa os chamava de “comunidade hippie”: era mais fácil que falar o nome de um por um cada vez que eles entravam na live. Sabe-se, agora, que, na verdade, não era bem uma comunidade hippie. Mas, como disse Dora: “Não se corrige Teresa Cristina”. Ainda mais visto a importância dela para a idealização do Bala. Depois, ainda, teve o Cola Records, que convidou o quarteto para participar do festival e, na impossibilidade dele (também por causa da pandemia), “encomendou” um disco.
Rapidamente, ele ficou pronto. O projeto foi concretizado: Bala Desejo surgiu com o álbum “Sim sim sim” no começo deste ano. Um processo rápido até que, no entanto, não comprometeu a qualidade do disco que, inclusive, ganhou o Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa. Uma amostra do que é o Bala Desejo, que se transforma a cada vez que eles pisam no palco, poderá ser vista nesta quinta-feira (15), no Sensorial, a partir das 20h, em um show trazido pela casa junto com a produtora A Gira. A discotecagem da noite vai ficar por conta do DJ Filipim Mattos.
Um sim íntimo
Dora, Júlia, Zé e Lucas se conheceram na escola. Um foi conhecendo mais a música por causa do outro. Já tinha ali uma intimidade que foi essencial no processo de construção do “Sim sim sim”. O tempo era relativamente curto. Eles, que têm outros projetos separados, não estavam fazendo shows, por exemplo, então as agendas coincidiam e isso foi importante para eles se isolarem juntos, pensarem no que queriam para o disco. “A gente deu, claro, uma atenção maior ao projeto naquele ano e neste ano. Mas a gente sempre encontra um jeito de separar as individualidades”, afirma Lucas. Dora completa: “E esse encontro reflete também nos nossos trabalhos individuais”. “Sim, uma coisa alimenta a outra”, continua Lucas. E continua: “A gente teve maturidade nesse processo. Vimo-nos no objetivo de fazer esse disco como se ele fosse encomendado mesmo, porque tinha prazo. E a gente cumpriu. Teve maturidade para ‘sacar’ o tempo das coisas”.
Todas as músicas do “Sim sim sim” foram escritas pelos quatro, juntos. A maioria surgiu, inclusive, em Barbacena, onde iam em noite de lua cheia (a “Lua comanche” presente no disco) para pensar no disco. “A gente fez uma imersão, e Barbacena é o ninho, o nascimento do disco. A gente ia para lá fazer uma concentração e reunimos todas as músicas”, conta Júlia.
O fato de estarem ali, juntos, enquanto o mundo se via com saudade do calor do encontro, deu ao “Sim sim sim” um caráter festivo que era como se fosse tudo o que todo mundo estava precisando. Ao começar com “Baile de máscara”, o Bala Desejo já coloca ali esse calor junto com uma saudade de um carnaval, “multidões pela cidade/ num desbunde geral”. “Quando a gente estava compondo, sem entender, a gente falava sobre essa saudade, esse calor. E fez todo sentido. Era um foco no processo do desejo”, acredita Dora.
Fisicalidade da arte
O “Sim sim sim” foi lançado em duas partes. Na primeira, que tinha esse “Baile de máscara”, tinha também o “Clama floresta”, uma (quase) música-manifesto pela natureza e seu poder. Mas tem, também, o “Nesse sofá”: uma crônica do isolamento, quando o dia era um “Passa tempo, passa nada”. Essa, junto com “Nana del caballo grande”, única que não foi composta por eles no disco, são as mais “tristes”, como se fosse mesmo o sentimento revelado. O outro lado do “Sim sim sim” segue nesse misto: começa com a “para cima” “Lambe lambe”, mas fecha com “Cronofagia”: um lamento na voz de Zé Ibarra; além de “Passarinha”, a divertida música que faz parte da novela das 9 da Globo, “Travessia”. Sobre as músicas, Dora explica: “A gente tinha essa vontade do calor, a busca pelos encontros, essa alegria coletiva. Uma alegria que a gente encontrou no Bala”.
Ao contrário do que o mercado pede, eles não lançaram single. “A gente não conseguia pensar em uma música que representasse o álbum, que na hora fizesse sentido. A ideia era contar a história da forma como o disco foi vivido, onde essa kombi foi passando. E a gente foi contar aos poucos, em duas partes, como um gostinho do que seria o disco todo junto”, diz Dora. Foi uma escolha que, ainda, aproximou a ideia de um vinil – tanto que ele foi lançado nesse formato. “Cada plataforma tem uma possibilidade. A gente lançou em vinil também por uma saudade da fisicalidade das coisas. Aquela vontade de ter, de segurar. É material: carrega o simbolismo desse objeto artístico. Experiência que vive: como dançar uma dança”, explica Dora.
Para driblar o streaming e apresentar a ficha técnica, quem faz o Bala Desejo acontecer, o “Sim sim sim” veio com uma faixa técnica musicada, que, inclusive, não está no vinil por ele próprio ter a maravilhosidade de apresentar detalhadamente quem fez o que. O álbum traz também algumas vinhetas de abertura que ainda, no streaming, separam o primeiro e o segundo lado. Nelas, ouve-se como uma encenação que traz vozes dessa sopa do Bala, como Teresa Cristina e Caetano Veloso. “O Bala Desejo é nós quatro, mas é também todas as pessoas que passaram pela a gente. A verdade é que a gente só dá as caras”, brinca Dora.
Dizer sim ao sim
Chamar “Sim sim sim”, de acordo com a Dora, é por causa desse viver afirmativo: “Tudo isso que brota, esse acaso levando ao sim, ao sim do Caetano, da Clarice Lispector, nossas influências, a própria ciência, a renascença na alegria. Foi tudo muito intenso, e a gente afirmou esse desejo”. É difícil, então, definir o que é o Bala Desejo. Apesar de eles terem ganhado uma categoria pop no Grammy, “Sim sim sim” não é necessariamente pop. E não é necessário definir, colocar o quarteto em uma caixinha. “Deixa o tempo definir”, fala Dora.