Outubro rosa: apoio familiar é fundamental para recuperação do câncer de mama

Estigma causado pela doença e necessidade de tratamentos invasivos afetam estrutura familiar, mas suporte é considerado essencial


Por Gabriel Silva

27/10/2022 às 14h03- Atualizada 27/10/2022 às 15h09

Era final de 2016 quando a psicóloga Fernanda Buzzinari constatou, por conta própria, um nódulo no seio. O diagnóstico do câncer de mama aconteceu logo em seguida, dando início aos cuidados, que durariam praticamente todo o ano seguinte. Se a constatação do primeiro sinal aconteceu quando estava sozinha, os meses seguintes foram acompanhados, passo a passo, pela mãe, Mafalda Buzzinari, o que contribuiu para que Fernanda pudesse se recuperar de forma completa. O apoio que a psicóloga recebeu da mãe é um exemplo de como a rede familiar e o fortalecimento das relações afetivas podem ser aliados para a recuperação de mulheres diagnosticadas com câncer.

Quando a doença foi constatada, Fernanda tinha 35 anos. “Foi tudo muito rápido. Entre a minha primeira consulta e a retirada do nódulo, deu um mês”, lembra. Foram dez meses de tratamento, passando pela cirurgia, quimioterapia, radioterapia e o acompanhamento médico periódico. Mas apesar de ter agido rápido no começo, após a cirurgia, o processo não foi simples. “Acho que usei de uma das formas de lidar com a situação que chamamos de negação parcial. Parece que eu esqueci tudo o que eu poderia passar ao longo do tratamento. Achei que logo voltaria a trabalhar, nem me lembrei da quimioterapia e da radioterapia que teria que passar. Minha médica falava que eu deveria lidar etapa por etapa e, aos poucos, foi caindo a ficha de que teria que passar pela quimioterapia, que foi a pior parte”.

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A mãe de Fernanda, Mafalda, esteve ao lado dela durante cada passo da recuperação, desde as primeiras consultas médicas até as sessões de quimioterapia. “Eu colei com ela. Aonde onde ela botava o pé, eu estava junto”, resume a mãe, que lembra da força com que a filha lidou com a doença. “Em momento nenhum a Fernanda chorou ou reclamou, nem perguntou por que aquilo tinha acontecido com ela. Ela jamais se sentiu prejudicada e, talvez, tenha sido um dos motivos que me deram força”, conta.

Se a mãe se sentiu fortalecida por Fernanda, a psicóloga sentiu ainda mais que poderia vencer a doença por conta do apoio da família. “Costumo falar que minha família sofreu até mais do que eu”, brinca Fernanda. “Com certeza, (a família) foi um estímulo primordial. Ter uma rede de apoio faz uma diferença muito grande para seguir com o tratamento”, relata Fernanda, que, seis anos após ser diagnosticada com câncer de mama, está curada e faz apenas acompanhamento periódico.

Para além das dificuldades do tratamento médico, a psicóloga também conseguiu lidar de forma positiva com as mudanças que o tratamento contra o câncer de mama impôs. “A minha terapeuta falava que eu lidei com o câncer de uma forma muito elegante. Acho que fui um ponto fora da curva. Tive recursos de enfrentamento bem positivos para o momento. Pensei: ‘já que é assim, eu vou me maquiar e vou tirar foto assim também. Vou gostar de mim desse jeito que eu estou'”.

Rede familiar e o fortalecimento das relações afetivas podem ser aliados para a recuperação de mulheres diagnosticadas com câncer (Foto: Fernanda Buzzinari)

Superação da doença em família

Assim como Fernanda, a técnica de enfermagem Ana Cláudia Mattos foi diagnosticada com câncer de mama em 2016, um dia após constatar o nódulo. Algumas semanas depois, ela realizou a cirurgia de retirada do nódulo e de linfonodos. Casada e com um filho de 7 anos à época, a primeira atitude tomada pela técnica de enfermagem após o diagnóstico foi conversar com a família. “Eu tive todo o apoio deles. Se não fosse a família, eu não sei se eu aguentaria o tratamento”, conta.

Entre os estágios mais delicados do processo, a queda de cabelo causada pela quimioterapia foi o momento de maior demonstração de união familiar. “Toda a minha família me apoiou. Meu irmão e uma tia rasparam a cabeça quando eu tive de raspar (…). A carequinha não me atrapalhou em nada, eu mantive minha autoestima. Tem dia que estamos mais para baixo por conta do tratamento, mas conseguimos passar por essa”, celebra.

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Laços amorosos são impactados de formas distintas

Ao contrário do apoio que Ana Cláudia teve da família e do marido, muitas vezes, as pacientes com câncer de mama precisam enfrentar também problemas afetivos. Em 2014, uma pesquisa do Hospital de Câncer de Barretos (SP) e do centro oncológico americano MD Anderson Cancer Center mostrou que 40% das mulheres que estão fazendo quimioterapia ou radioterapia sofrem rejeição sexual ou são abandonadas pelos companheiros.

Psicóloga e uma das autoras do livro “Câncer de mama: interlocuções e práticas disciplinares”, Tatiana Almeida, que também atua como psicóloga no Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU/UFJF), lembra que o câncer ainda guarda um estigma grande. “O câncer de mama, especificamente, por atingir um órgão associado à feminilidade, sexualidade e maternidade, tem um impacto ainda maior na vida das mulheres acometidas por ele”, analisa.

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A necessidade de passar por tratamentos invasivos, de perder parcial ou totalmente os seios, a queda dos cabelos e o mal-estar causado pelas medicações são outros fatores que impactam no emocional da paciente. “Muitas vezes são necessárias mudanças na rotina de trabalho, nas funções domésticas, nos planejamentos financeiros, nos cuidados com os filhos e na própria relação com o parceiro”, elenca Tatiana.

Em pesquisa clínica realizada pela psicóloga com 12 mulheres diagnosticadas com câncer de mama, foi constatado que a doença impacta os laços amorosos das pacientes de maneira distinta. Relacionamentos já desgastados antes do adoecimento tendem a ficarem ainda mais frágeis após o diagnóstico, enquanto relacionamentos saudáveis tendem a se fortalecer após a passagem do tratamento. “Tem parceiros que se tornam até mais afetuosos do que antes, o que promove uma melhor adesão ao tratamento e, consequentemente, uma recuperação mais rápida”, explica Tatiana.

A psicóloga ainda ressalta que a doença afeta não apenas a mulher diagnosticada com a doença, mas toda a estrutura familiar. “Por isso, é fundamental que essa mulher e sua família contem com uma boa rede de suporte por parte de seus amigos e comunidade”.

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