Concorrência tem que ser leal em todas as relações

Por Estefânia Rossignoli

23/10/2022 às 07h00 - Atualizada 21/10/2022 às 17h18

Nas relações particulares já estamos acostumados com a regulação da concorrência e não é praxe que questionemos a intervenção estatal para que a lealdade seja observada neste campo. Por exemplo, imaginemos dois concorrentes do setor de automóveis que se valem de propagandas na televisão para expor seus produtos e um deles começa a propagar informações falsas sobre a qualidade, durabilidade, consumo e outros fatores do produto do concorrente. Neste caso, ao ser exposto a tais informações, o consumidor irá praticar uma escolha livre dos dois produtos concorrentes? Fácil perceber que não e, assim sendo, o concorrente prejudicado poderá buscar o poder judiciário para impedir que o outro fornecedor veicule as falsas informações. O juiz determinará uma obrigação de não fazer e impedirá que a concorrência desleal ocorra, proibindo a parte de manifestar com as falas contendo inverdades a respeito do concorrente. Será que em algum momento questionaríamos que essa decisão se trata de uma censura? Estaria o juiz retirando a liberdade de expressão do concorrente?

Acredito que a maioria respondeu “não” aos questionamentos anteriores, pois é sabido que no Brasil a liberdade de expressão não é irrestrita. No modelo brasileiro é possível que o Estado intervenha para proibir uma pessoa de se manifestar quando isso estiver contrariando alguma lei. O limite da liberdade de expressão é a lei. E não é preciso esperar que haja o desrespeito à lei para que se puna posteriormente, como alguns acreditam. É preciso e necessário que se tente evitar a infração da lei, antes que ela ocorra. E a forma correta de se fazer isso é estipulando uma obrigação de não fazer, sob pena de multa. Ou então, quando a manifestação já ocorreu, que seja retirada a veiculação.

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Analogicamente falando, é o que vem ocorrendo com as decisões do Tribunal Superior Eleitoral em proibir determinadas manifestações durante esse período eleitoral. O que acontece, principalmente nesse segundo turno em que a disputa se resumiu a dois candidatos, nada mais é do que uma concorrência pela preferência do eleitorado. E a escolha do eleitor será livre caso ele se decida com base em informações falsas? Certamente não. E na questão eleitoral, uma escolha que não é verdadeiramente livre traz consequências muito piores do que no campo empresarial. Neste caso põe-se em risco a democracia e o futuro do país. A Justiça brasileira não pode permitir que isso ocorra. O presidente do TSE informou que na campanha que está em curso houve aumento de 1.671% nos casos de fake news em relação à campanha de 2020. O poder judiciário jamais poderia ficar inerte diante deste cenário e cabe ao órgão especializado atuar, inclusive de forma preventiva.

Não há ato de censura quando o poder judiciário diz ao cidadão: cumpra a lei e se não o fizer eu irei multá-lo ou até retirar do ar o seu canal de comunicação. A lei eleitoral não permite a divulgação de notícias falsas ou distorcidas. Além disso, não permite que canais de televisão ou rádio veiculem propaganda favorável ou contrária a um candidato e deem tratamento favorável a candidato, partido ou coligação. Havendo descumprimento da lei, a Justiça precisa atuar. Obviamente que as decisões judiciais estão passíveis de críticas e muitas vezes podem extrapolar seu poder de atuação, mas dizer que está havendo prática de censura é tecnicamente errado. A regulação nada mais é do que a busca por uma concorrência leal.

Estefânia Rossignoli

Estefânia Rossignoli

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