A democracia e seus descontentes

“Como diria Churchill, a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras”


Por Marcos Paulo Quadros, cientista Político e pró-reitor Acadêmico do Centro Universitário Estácio (Belo Horizonte)

11/10/2022 às 07h00

A democracia hoje domina a organização política ocidental, tornando-se pressuposto para a inserção dos Estados nas instâncias deliberativas da ordem internacional. Não raro, resistir significa marginalização política e/ou econômica.

Contudo a democracia não se solidificou na preferência de extratos da população, o que se verifica no próprio Brasil. Para citar apenas um dado, não mais do que 40% dos brasileiros preferem a democracia a outra forma de governo, conforme apontou o Latinobarómetro (2020).

PUBLICIDADE

Mas quais seriam seus “verdadeiros” significados? Talvez seja interessante firmarmos alicerces mínimos, já que muito se fala a respeito nos ciclos eleitorais, mas nem sempre se sabe sobre o que se está a falar.

A democracia que nasceu na antiga Grécia – com participação direta dos cidadãos por meio de amplas assembleias – se mostrou inviável e simplesmente desapareceu. Como alternativa, criou-se a representação pelo sufrágio. Votamos naqueles que os partidos apresentam (e não necessariamente naqueles que desejamos) para que eles, se eleitos, tentem representar nossos interesses nos parlamentos e nos governos. Trata-se, portanto, de uma delegação de poder que requer a mediação de instituições, com ritos, freios e contrapesos normalmente lentos e incapazes de gerar resultados que maravilham a todos. Executivo, Legislativo e Judiciário se policiam mutuamente, com atritos naturais. O único império é o da lei universal e impessoal.

Parece pouco? Pois é o que há. Para além disso, restam as eleições periódicas, transparentes e livres. Os eleitos devem ter mandatos com duração predefinida e liberdade para defender suas bandeiras. A imprensa e a internet exigem a mesma liberdade. A oposição precisa ter lugar garantido, doa a quem doer.

É verdade que esse aparato pode falhar em trazer benefícios reais para a vida das pessoas. O vazio daí decorrente tende a produzir o desencantamento, de modo que o sistema passa a ser visto como mero fetiche das elites.

A resposta sadia à contestação não seria a repressão, mas a serenidade. Os excessos precisam ser tolerados como um tributo à magnanimidade da democracia. Releve-se, portanto, partidos extremistas de todas as cores ideológicas e verborragias pueris lançadas aqui e ali. São sinais de que a liberdade prevalece. É o preço a pagar. Do contrário, não teremos mais do que uma “semidemocracia”.

Finalmente, vale registrar que a democracia é apenas um dos vários elementos que perpassam a vida em sociedade, talvez um dos menos atraentes. A opção pela simples abstenção merece respeito, como respeitada deve ser a discordância ruidosa. Pretender que os cidadãos se comportem sempre como democratas ilustrados é um trejeito típico do imaginário totalitário, esse herdeiro dos belos ideais jacobinos que acabam em genocídio quando postos em prática.

O conteúdo continua após o anúncio

Como diria Churchill, a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras. Ela é humilde demais para exigir a perfeição e o silêncio acomodado dos descontentes.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.