A história de quem deixa tudo para trás em ‘A boa sorte’

Novo romance da espanhola Rosa Montero tem como protagonista homem que tenta fugir das marcas do passado


Por Júlio Black

12/09/2022 às 14h44

Rosa Montero é jornalista madrilenha e publica livros desde a década de 1970 (Patricia A. Llaneza/Divulgação)

Quem não pensou, em algum momento, em largar tudo para trás, recomeçar a vida em um novo lugar, onde não fosse conhecido por ninguém e pudesse “zerar” o jogo da vida? É a partir dessa questão que a escritora espanhola Rosa Montero (“A ridícula ideia de nunca mais te ver”, “Nós, mulheres”) cria a instigante trama de seu mais recente romance lançado no Brasil, “A boa sorte” (Todavia).

Classificado pela própria romancista como um “thriller existencial, sem assassinatos e muitos mistérios”, o livro tem como protagonista o renomado e premiado arquiteto Pablo Hernando. Na casa dos 50 anos, ele segue em um trem para Málaga, onde participaria de uma conferência; entretanto, ao passar por uma estação, ele observa uma placa anunciando a venda de um apartamento, e, sem pensar duas vezes, desce na próxima estação, retorna de ônibus, procura o proprietário e compra – em dinheiro vivo – o imóvel sem sequer olhar o seu estado de conservação.

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A cidade “escolhida” por Pablo chama-se Pozonegro, lugar em decadência após o fechamento da mina de carvão que movia a economia local. O apartamento é decrépito, imundo, sem mobília. Apesar de maníaco por limpeza, ele mantém o imóvel como está; o que ele quer é ficar sozinho e isolado, mas logo uma vizinha, a sonhadora e aspirante a pintora Raluca, começa a se intrometer na sua vida. Se a onipresença da jovem incomoda, também ajuda Pablo a dar um norte à sua nova vida: ela o ajuda a conseguir um emprego no supermercado local, o que permite a ele ter dinheiro vivo em mãos e a não ter que usar o cartão de crédito, evitando assim que possa ser localizado pela polícia ou os sócios do escritório de arquitetura.

A presença de Pablo Hernando na pequena cidade logo começa a despertar a curiosidade e/ou a cobiça de várias pessoas, incluindo o antigo proprietário do apartamento. O leitor, claro, também se questiona a respeito do que levou o protagonista e largar tudo – estabilidade financeira, reconhecimento profissional, casa, amigos – para viver num lugar decadente em todos os aspectos, com pouco dinheiro e nenhum conforto.

Aos poucos, Rosa Montero vai entregando detalhes do passado do personagem, e começamos a entender o que levou o arquiteto a querer recomeçar a vida. Em algum momento, claro, o passado de Pablo vai aparecer para atormentá-lo, fazendo com que “A boa sorte” tenha um crescendo de suspense que, aliado ao talento da escritora, torna sua leitura uma experiência imperdível e que nos faz refletir a respeito de nossas próprias escolhas.

 

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